quinta-feira, 31 de março de 2011

Livro - Ligeiramente fora de foco

Brasília, 31 de março de 2011.

Encerrei hoje a leitura de “Ligeiramente fora de foco”, do renomado correspondente de guerra, escritor e fotógrafo Robert Capa (1913-1954): Editora CosacNaify, 1947-2010, 296 páginas. Trata-se de texto de 1947, até agora inédito no Brasil, revelando o maior fotógrafo de guerra da história, que sempre desejou ser 1º escritor e que se mostra, no livro, disposto a tudo: “Sou um jogador”, disse para explicar a sua decisão de enfrentar o “ coração das trevas”. Explicou: “O correspondente de guerra tem a sua aposta (sua vida) nas próprias mãos e pode colocá-la neste ou naquele cavalo, ou pode colocá-la de volta no bolso no último minuto.” No seu trabalho intenso e determinado, Robert Capa adotava a regra que indicava a seus colegas fotógrafos: “Se suas fotos ainda não estão boas o suficiente, é porque você ainda não está perto o suficiente”. Capa desenvolve o texto de forma bem humorada, com ironia e espírito de jogador de pocker, defrontando-se com os perigos e mostrando cenas que ninguém mostrou. Enfrentou terrenos minados, “largou amores pelo caminho para captar imagens na Guerra Civil da Espanha, na China e no palco europeu da Segunda Guerra Mundial”. No prefácio de 1999, o seu irmão, Cornell Capa, diz: “A vida de Robert Capa é o testamento de dificuldades superadas, um desafio enfrentado, um jogo ganho, a não ser pelo fim, quando pisou numa mina terrestre na Indochina e seu papel como testemunha se encerrou.” O texto é leve, a despeito dos horrores da guerra. Capa participou de importantes eventos: a invasão da Sicília, o desembarque das tropas americanas nas praias da Normandia, a libertação de Paris. Charmoso e com bom astral, comprou uma elegante e cara capa inglesa, Burberry, para assinalar a chegada ao famoso Dia D, o que ao final não se concretizou, por ter que abandoná-la no sufoco da invasão. São significativas as passagens descritas com os seus amigos Ernest Hemingway e John Steinbeck: chegou a participar de um exército improvisado por Hemingway e foi parar na Rússia em viagem com Steinbeck. As fotos de Capa se inscrevem entre as melhores da guerra: “A série do desembarque do Dia D é quase um cinema, cada imagem abre uma sequencia na nossa cabeça. Você praticamente imagina como o soldado vai atacar o inimigo.” No texto, Robert Capa define as fotos como “ligeiramente fora de foco, um pouco subexpostas e a composição não é nenhuma obra de arte.” Ia esquecendo: Robert Capa namorou a linda e famosa artista de cinema Ingrid Bergman. No meio de tudo, desenvolve-se uma sutil história de amor – Capa, a inglesa Pinky e, de penetra, o amigo Chris. A revista britânica Picture Post qualificou Capa como “o maior fotógrafo de guerra do mundo.” Em 25 de maio de 1954, acompanhando um grupo de soldados franceses no Japão, Robert Capa pisou numa mina terrestre, que o matou. A meu ver, texto e fotos inesquecíveis.
Grande abraço para todos.
Antonio A. Veloso

sábado, 12 de março de 2011

Livro - “Mauá”, de autoria de Jorge Caldeira

Brasília, 12 de março de 2011.


Li, somente agora mas com grande envolvimento e interesse, o excelente “Mauá”, de autoria de Jorge Caldeira:  Cia das Letras, 1995, 557 páginas. O autor, nascido em São Paulo (1955), foi editor da Folha de São Paulo e das revistas Isto É e Exame, tendo desenvolvido cuidadosa e ampla pesquisa para elaborar o texto do “Mauá”, importante referência para economistas, executivos e historiadores. A narrativa é forte e sedutora, mostrando com objetividade o caminho percorrido por um pioneiro do Império, o maior e mais curioso empresário da época: Irineu Evangelista de Sousa (1813-1889), barão e visconde de Mauá. As muitas biografias disponíveis sobre Mauá, fortemente inspiradas na sua preciosa “Exposição aos credores”, adotam a estrutura desse documento para explicar a trajetória do empresário, ou seja: a história de Mauá é apresentada como uma sequência natural das histórias de suas empresas. Jorge Caldeira, diferentemente, com grande determinação e esforço de pesquisa e organização, procura fugir desse arranjo e compor uma “visão cronológica global”. Com sucesso, apresenta uma visão além de tudo dinâmica e prazerosa. A cena inicial do texto, com Mauá aos 47 anos de idade, chegando na residência do Rio de Janeiro às quatro horas da tarde e submetendo-se ao assédio rotineiro dos filhos em busca de balas e guloseimas, é emblemática e reveladora do estilo do pai de família e líder. São muitas as revelações do texto, com fortes implicações sobre a história do país, sobretudo no II Império, com D. Pedro II, as armações políticas, as inúmeras guerras no Rio da Prata (Uruguai, Paraguai, Argentina), o tráfico de escravos, o crescimento do comércio, inclusive com o exterior, o florescimento das operações financeiras e cambiais, o nascimento da indústria. Liderando tudo, as iniciativas pioneiras de Mauá, estudioso, autodidata, equilibrado e correto, preocupado com o desenvolvimento e crescimento do Brasil. É mostrada toda a evolução de suas atividades e riqueza: de oficce boy a empresário destacado, com 17 empresas instaladas em seis países (Brasil, Uruguai, Argentina, Estados Unidos, Inglaterra, França), incluindo bancos, três estradas de ferro, uma grande companhia de navegação, a maior fábrica do país (fundição com 700 operários), empresas de comércio exterior, mineradoras, usinas de gás, fazendas de criação de gado e outras. Em 1867, dispunha de 115 mil contos de réis de ativos (cerca de US$ 60 milhões), em comparação com 97 mil contos de réis do orçamento do Império. Casado aos 27 anos com sobrinha de 15 anos, Maria Joaquina, tiveram 18 filhos. Nas crises e dificuldades empresariais, a grande preocupação de Mauá era preservar o seu nome, assegurando todos os pagamentos aos credores, meta que conduziu até o desenlace da falência, quando recebeu a decisão final de não ser falência criminosa, mas fortuita. “Com 65 anos de idade, cumpria até o fim a promessa de empenhar até a camisa, as botas e o chapéu velho para pagar os credores.” Leitura obrigatória, de qualidade.
O abraço amigo do
Antonio A. Veloso