quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

A culpa é das estrelas - John Green


Brasilia, 5 de dezembro de 2012.

Rogério e Waldemir,

Acabei de ler romance diferente daqueles que costumeiramente freqüento: “A culpa é das estrelas”, de John Green, Editora Intrínseca, 2012 , 286 páginas.  Trata-se de texto irreverente, emocionante, sobre adolescentes, de autoria de um dos escritores norte-americanos mais festejados pelo público jovem.  Lançado no inicio deste ano, foi  sucesso de crítica e público (cerca de 150.000 exemplares vendidos no primeiro mês e superando 400.000 logo em seguida).  A narrativa é ousada e atraente, com fina sensibilidade, amenizando o enredo à primeira vista deprimente, que envolve personagens jovens e com doença terminal: Hazel Grace, de dezesseis anos, com câncer de tireóide e ramificações pelo pulmão,  obrigando-a a circular por toda parte com um cilindro de oxigênio;  Augustus Waters, de dezessete anos, bonito e atlético, destacado jogador de basquete em sua escola, vitima de osteossarcoma e que teve uma perna amputada;  Isaac, “um magrelo de olho comprido”, dezessete anos, com câncer ocular, teve um olho extraído ainda quando era pequeno  e está em vias de ser novamente operado e ficar cego.  Todos eles participavam, semanalmente, das reuniões do Grupo de Apoio a Pessoas com Câncer e o autor do romance, com habilidade e inspiração, desenvolve uma narrativa delicada e atraente, com emoção mas sem deixar resvalar para a pieguice ou o sentimentalismo excessivo:  a melancolia inicial vai aos poucos assumindo a forma de um gosto  forte pela vida e o relato cresce em realçar o mistério da “alegria e da tragédia que é viver e amar”.   Ironicamente, o autor fala dos “privilégios do câncer” -  “pequenas  coisas que as crianças com a doença recebem e as saudáveis não”.  Alguns temas são enfrentados com ousadia e lucidez, alcançando  momentos de extrema doçura e beleza.  Exemplos:  a)  a descrição da primeira relação sexual de Azel e Augustus ,com o singelo constrangimento  inicial de Azel ao descobrir  que estava com as cores descombinadas da calcinha,  rosa,  com o sutiã,  roxo;  b)  a sedução de Azel por tocar no cotoco da perna de Augustus(“Estou começando a achar que você tem um fetiche por amputados, retrucou Augustus, ainda me beijando”);  c)  os momentos  deliciosos do pomposo jantar dos dois em Amsterdam, na Holanda,  no restaurante Oranjee, tudo embalado com champagne (Dom Perignon: “venham depressa ! Estou bebendo  estrelas”);  d)  a intensa aventura em torno do livro preferido de Azel, “Uma aflição imperial”, lido  várias e seguidas vezes, e do estranho comportamento do seu autor recluso, Peter Van Houten, descontrolado e sempre bêbado.   Em síntese, como assinala o The New York Times:  “Um misto de melancolia, doçura, filosofia e diversão. Green nos mostra  um  amor   verdadeiro ... muito mais romântico que qualquer pôr do sol à beira da praia.”


Uma morte em família - James Agee


Brasilia, 29 de dezembro de 2012.
Amigos Rogério e Waldemir,


Acabei de ler um texto refinado, musical, quase música sacra:  “Uma morte em família”, de James Agee (1909-1955), Editora Cia. Das Letras, 2012, 359 páginas.  O autor, americano do Tenessee, formado em Harvard, escritor, jornalista, poeta, roteirista e crítico de cinema dos Estados Unidos, prematuramente falecido em 1955, de ataque cardíaco em um taxi de Nova York, aos 45 anos.  Deixou inconcluido “Uma morte em família“, romance de fundo autobiográfico, que trata da morte de seu pai em um acidente fatal de carro.  O livro não estava inteiramente estruturado na cronologia dos seus capítulos, mas tinha o título definido e o final concluído, e era tal a qualidade do seu conteúdo que foi agraciado com o Prêmio Pulitzer.  O romance relata com maestria os acontecimentos em torno da morte do pai, quando o autor tinha apenas seis anos, descrevendo com intensidade cada personagem a partir do menino Rufus, foco destacado do livro.  Cada membro da família (Mary, a tia Hannah, Andrew, Catherine) é apresentado na sua intimidade, “por dentro”, conforme era visto e considerado pelos outros.  Todos ganham dimensão no texto,  representando um conjunto humano de grande importância.   Os diálogos são marcantes e de rara beleza, envolvendo o leitor num clima de refinamento ao aprofundar a descoberta dos meandros da vida e da consciência da família Follet.   “Uma morte.  Em pleno vigor, um homem é tirado de sua família.  Uma notícia que poderia ser dada em qualquer momento,  em qualquer romance...   Para James Agee,  “trata-se da oportunidade de escrever um romance dedicado quase que integralmente a investigar o impacto dessa morte nos membros daquele grupo...  Agee se debruça sobre cada um dos personagens com uma dedicação e um detalhismo plenamente amorosos...”  O autor, católico, assinalado com forte sentimento religioso, vai nos envolvendo delicada e solidamente, num ambiente de doçura e suavidade.
O abraço do
Antonio A. Veloso.


Barba ensopada de sangue - Daniel Galera


Brasilia, 8 de janeiro de 2013.

Waldemir e Rogério,
Acabo de ler um romance forte, eletrizante:  “Barba ensopada de sangue”, de Daniel Galera, Editora Cia. Das Letras, 2012, 422 páginas.  O autor nasceu em São Paulo em 1979, mas viveu em Porto Alegre.  

Li dele:
“Mãos de cavalo” (2006) e “Até o dia em que o cão morreu” (2003).  Estilo arrojado, direto.  “Barba ensopada de sangue“ é um texto agressivo, incisivo, demolidor:  criatividade fulgurante, com diálogos precisos, devastadores. Dá gosto entrar no ritmo dinâmico da história e se deixar envolver pelos acontecimentos e pelo suspense.  Trata-se de uma poderosa intriga familiar. O protagonista, cativante professor de educação física, apaixonado por natação, decide partir de Porto Alegre e se recolher numa aparente pacata cidadezinha do litoral de Santa Catarina,  a fim de digerir: a)  a recente morte do pai, que se suicidou e deixou-lhe por herança a cadelinha Beta, de quinze anos;  b) o afastamento conturbado do irmão Dante, que terminou se envolvendo com sua namorada Viviane e passou a morar com ela em São Paulo;  c) o intrincado mistério da morte do avô, o briguento Gaudério, supostamente assassinado a facadas no salão de festas,  às escuras, do balneário Garopaba.  O texto é sedutor e “repleto de violência e ternura ...  um mergulho em nossas pulsões mais primitivas e uma investigação sobre a origem insuspeita dos mitos da vida comum, alicerçados em amores perdidos, conflitos de família, segredos inconfessos e nas dificuldades que enfrentamos para entender os outros”.  Uma característica especial marca o professor de natação: por uma condição neurológica de nascimento, ele não consegue guardar a fisionomia das pessoas, tendo dificuldade de reconhecê-las no encontro seguinte.  Isso lhe causa sérios constrangimentos no dia a dia, obrigando-o a um esforço para memorizar sinais especiais que facilitem o reconhecimento.  No curso da história, a cachorrinha Beta é atropelada e assume posição marcante, revelando toda a dedicação do protagonista, que vive o drama de ter descumprido a promessa ao pai de sacrificá-la em seguida à sua morte.   A busca incessante do  avô é outra tarefa tenaz e dramática.   Enfim, o livro nos envolve intensamente e a “imagem aterrorizante do título é apenas moldura para um romance lírico e sentimental”.  Pareceu-me oportuno e feliz o comentário do escritor Gonçalo M. Tavares;  “Barba ensopada de sangue é um livro muito forte e Daniel Galera, um  escritor admirável -  sério, robusto, tranqüilo. E este é também um livro assim, desde a primeira página. Como alguém que sai de casa sabendo exatamente para onde quer ir. Vai firme, mas não apressa o passo.”


Com afeto,
Antonio A. Veloso.

Brooklin


Brasilia, 10 de fevreiro de 2013.
Caros amigos,

Fiz, com prazer e gosto, a releitura do ótimo “Brooklin“, cuja resenha aqui lhes envio.  Abraços.

Antonio A. Veloso.

Texto:   “Brooklin“, de Colm Tóibín, Editora Cia. Das Letras, 2008/2011, 302 páginas:



-   O autor, irlandês católico, produziu um romance elegante, a meu ver primoroso, de fina textura, à moda tradicional, com começo, meio e fim.   Trata-se de texto premiado, tendo conquistado, com mérito, o prêmio Costa de melhor romance britânico de 2010;
-    Colm Tóibín, jornalista, crítico literário, nasceu em Enniscorth, em 1955, tendo publicado no Brasil, até agora:  “A luz do farol”, “Mães e filhos”, “O Mestre” (sobre a vida romanceada de Henry James);
-    deliciei-me com o texto, bem cuidado, que vai evoluindo elegantemente:  a história se passa no início dos anos 1950, girando em torno da pacata vida de Eillis Lacey, em Enniscorth, juntamente com sua família, a mãe e a irmã Rose. “Eillis é uma personagem desenhada com a leveza de uma aquarela, mas com a força da grande arte ...” Tímida e retraída, “não forja seu próprio destino, esconde de si mesma pensamentos e emoções”.  Ela se deixa levar em parte pelos acontecimentos e pelas pessoas.  Além disso,  a Irlanda, à época,  não oferecia maiores oportunidades de futuro,  de modo que, na carência de empregos, Eillis resolve aceitar a oferta do Padre Flood:  chance de trabalho e moradia no Brooklin, nos Estados Unidos;
-    enfrentando o desafio, Eillis se desloca para o seu novo rumo, após conturbada viagem de navio, na travessia do Atlântico.  Aos poucos, etapa por etapa, Eillis vai se adaptando ao novo ambiente e às novas condições, assumindo a rotina diária do trabalho diurno e, em seguida, os estudos à noite na faculdade de contabilidade.  Semanalmente, acrescenta à sua rotina o baile da paróquia, às sextas-feiras, onde conhece o “jovem e entusiasmado Tony”, de origem italiana, com quem passa a se relacionar e se envolver;
-    de natureza tímida e solitária, Eillis vai aos poucos estabelecendo paz e confiança em sua nova vida, até o momento em que esse cenário é mudado com a imprevista necessidade de um retorno à Irlanda, colocando-a mais uma vez diante de sério dilema, cruel e angustiante.  O livro, como assinala o Washinton Post, é “escrito com elegância e inteligência ... O talento de Tóibín é surpreendente, um romance formidável, muito especial”. Com extrema habilidade,  o autor, Tóibín,  “trama uma delicada teia de sentimentos ocultos,  de aceitação do destino e de sonhos abandonados, que deixará o leitor preso à história por muito tempo depois de terminar o livro”.    Ao final , com sutileza, o autor nos mostra Eillis fortemente dividida entre a promessa firmada nos Estados Unidos e as possibilidades abertas com o retorno à Irlanda.



quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Livros "O filho da mãe".


Brasilia, 13 de fevereiro de 2013.

Caros amigos Rogério e Waldemir,

O autor, Bernardo Carvalho, é novidade para mim:  nasceu no Rio de Janeiro em 1960, é escritor requintado, jornalista e tradutor.  Alguns livros de sua autoria:  Nove noites,  que recebeu o Prêmio Portugal Telecom;  Mongólia (prêmio Jabuti) e O sol se põe em São Paulo.  O texto de O Filho da Mãe (Editora Companhia das Letras, 2009, 199 páginas ) é trabalhoso e complexo, tendo como pano de fundo a segunda guerra da  Tchetchênia, em 2003.



 O foco é variado: o ponto central é a figura da mãe, no ambiente de guerra e orfandade (“As mães têm mais a ver com a guerra do que imaginam”);  tudo se passa em torno do acontecimento marcante da celebração do terceiro centenário de São Petersburgo -  epicentro  de toda a tragédia (mães culpadas, filhos extraviados, pais autoritários e tirânicos, pais ausentes. Em todo o contexto de desencontros e atritos, surge com força a figura exdrúxula e monstruosa da quimera, aberração rejeitada por todos, homem e natureza,  como uma exceção e um ente de mau agouro.  A trama se desenvolve amplamente, variando no tempo e no espaço  -  a ação se alternando do Oiapoque ao Nieva, ao mar do Japão, a região do Grózni,  com uma multiplicidade de vozes  e visões, muitas vezes exigindo do leitor forte poder de concentração:  “todos os personagens parecem, em alguma medida,  estar fora de lugar, em famílias e países alheios  -  daí a força que adquire, no contexto, a figura estranha da quimera”:  um animal que era dois sem ser nenhum, um potro no qual estavam misturados dois embriões, portador de mau agouro, pondo a reprodução num impasse, fazendo da reprodução uma monstruosidade.  O relato do autor -  “uma literatura inquieta e surpreendente  -  traz forte carga emocional ao tratar de”mulheres ocupadas em salvar os filhos, salvar o que lhes dava vida”.   O autor opera uma complexa construção narrativa.   “Não pode haver guerra sem mães. Mais do que ninguém, as mães têm horror a perder ...  Todo mundo tem mãe. Até o pior canalha, o pior carrasco.  Não deixa de ser uma espécie de fanatismo”.  A narrativa tem início e final com a descrição do reencontro, cerca de quarenta anos, das duas mulheres, Iúlia Stépanova e Marina Bóndareva, que foram colegas na escola,   num café da rua Rubinshtein, após se reverem no Comitê das Mães dos Soldados de São Petersburgol.  O reeencontro se dá em abril de 2003, véspera dos trezentos anos da cidade:  “Se quero salvar um rapaz que não é meu filho, deve ser para que alguém se lembre de mim.   A gente só entende quando começa a lutar pelos filhos dos outros”.

Abraço afetuoso,
Antonio A. Veloso.