sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Livros ("O homem perfeito")

Brasilia, 30 de dezembro de 2011.




Acabei de ler:  “O homem perfeito”, de Naeem Murr, Editora Benvirá, 2007/20l0, 478 páginas.  O autor, nascido e criado em Londres, reside nos Estados Unidos desde os vinte anos e atualmente mora em Chicago. “O homem perfeito”, candidato ao prêmio Man Booker, é uma história forte, densa e arrebatadora, movimentando um conjunto vasto de personagens intrigantes e, às vezes, perturbadores. A narrativa é plena de emoções humanas, frequentemente envolvida em diálogos desconcertantes e de difícil assimilação, tal o  número de interlocutores e diante da variada natureza dos conflitos em jogo.  Onúcleo da história diz respeito a um grupo de cinco amigos  -  Raj, Annie,  Lew, Nora, Alvin  - , que cresceram numa cidadezinha do Missouri, na década de 1950:  o jovem e inteligente indiano, Rajiv Travers, vendido pela mãe indiana ao pai inglês por vinte libras, é rejeitado pelos parentes e entregue, sob relutância, na residência de Ruth, mulher do tio de Raj, na cidade de Pisgah, no Missouri.  Raj, com muita sensibilidade, inteligência  e senso de humor, ràpidamente se integra ao grupo e aprende a conviver com todos, enfrentando com coragem os conflitos, paixões e segredos perturbadores dos moradores de Pisgah.  São muitos os mistérios e revelações, numa prosa dinâmica e viva, com personagens estranhos, desconcertantes e conflituosos.   Exemplo:  o grotesco Clyde, procurando esposa e que se aproxima das mulheres da cidade, sem nada falar e fazendo avaliações. “Não tenho idéia do que ele estava procurando, mas pareceu reduzir sua escolha a meia dúzia e passou à segunda etapa, que foi aparecer na casa delas sem convite em uma tarde de domingo, com um presentinho bizarro, como pé de porco em conserva ou um ramo com todo tipo de flor que ele conseguira colher, a maior parte ervas comuns.” E havia também o grupo dos homens adultos, que se reunia de tempos em tempos na barbearia de Goldwin  -  grupo de falastrões e bêbados, grosseiros e sem controle.  O texto de Naeem Murr, como diz o The Times, de Londres, “recria com sucesso um universo inteiro em que encontramos todo o espectro de emoções humanas em uma cidadezinha do Missouri, tal como fez Faulkner com o imaginário condado de Yoknapatawpha  no Mississipi”.  Divirtam-se.

Abraço do
Antonio A. Veloso.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Livros ("Uma providência especial")

Brasilia, l4 de dezembro de 2011. 




Repasso-lhes resenha de excelente texto que estou acabando de ler:  “Uma providência especial”, de Richard Yates, Editora Alfaguara, 1965, 1969/2011, 301 páginas.   O autor, de Yonkers, estado de Nova York, 1926, é considerado “um dos maiores romancistas americanos do século XX”,segundo o Daily Telegraph.  Publicou sete romances e duas coletâneas de contos, sendo o mais famoso o “Foi apenas um sonho (Rua da Revolução)”,  Alfaguara-2008, indicado para o National Book Award em 1961 e adaptado para o cinema, sob a direção de Sam Mendes e estrelado por Leonardo Di Caprio e Kate Winslet.  Faleceu em 1992.  Para mim, que adorei o “Foi apenas um sonho”,  estou também encantado com o “Uma providencia especial”, que me pasreceu um relato primoroso e intrigante,  atraindo pela força e conteúdo, a despeito do contexto e ambiente de guerra e da vida tumultuada dos subúrbios americanos.  A “história é protagonizada por dois personagens – Robert Prentice, jovem soldado que adora arranjar problemas com seus companheiros, e sua mãe, Alice,  artista plástica que só amarga fracassos na carreira.”   Robert Prentice,  o Bobby, l8 anos, é enviado à Europa em 1944 para combater na Segunda Guerra Mundial. Jovem em formação, subjugado pela mãe, em busca de afirmação e independência,  tem sonhos de grandeza ,  mas vive fora de foco e frequentemente se embaraçando,  mostrando-se soldado inexperiente e fonte de complicaçõesç para os parceiros ou superiores.  Vive os´últimos dias da ofensiva americana e pouco participa dos confrontos.  Mesmo assim, carrega alguns infortúnios:  experimenta sentimento de culpa em relação ao seu parceiro John Quint, vitimado pela detonação repentina de uma mina, junto com dois outros companheiros, enquanto Bobby se encontrava recolhido no hospital, com pneumonia;  participa,  quando a guerra já havia terminado, de inusitado episódio de “acerto das diferenças” com o companheiro Walker, quinze quilos mais pesado, numa luta desigual e humilhante   no “pequeno campo atrás do celeiro”.  Paralelamente aos acontecimentos da guerra e às agruras do Bobby,  é mostrada a vida atribulada de Alice,  sua mãe, mulher divorciada e independente, escultora e que sonha ser artista de sucesso, mas que vive um mundo de conflitos e frustrações:  o precário relacionamento com Harvey Spangler, “o médico que trouxera Bobby ao mundo”;  a estranha aventura  com o maravilhoso e distinto empresário inglês Sterling Nelson, “alto, digno, aristocrático, com têmporas encanecidas e um pequeno bigode ficando grisalho”,  que se envolve amplamente com Alice e Bobby e que, de repente, desaparece da vida deles, retornando para Londres sem qualquer noticia;  a frustrada experiência de Riverside, que obriga Alice a praticamente fugir, sob risco de ser presa;  a chocante e arrasadora temporada em Austin, no Texas, na residência da irmã Eva, casada com o grandalhão Owen Forbes (“ele é um grosso, estúpido e detestável.” ... “Seu marido é um animal, está ouvindo. Ele é um animal.”).   Resumindo:”Yates compõe um romance emocionante sobre os dilemas de uma família americana em pedaços”.   
Abraços.

Antonio A. Veloso.

sábado, 3 de dezembro de 2011

Livros ("A última façanha do major Pettigrew")

Brasilia, 3 de dezembro de 2011.




Acabei de ler livro delicioso: “A última façanha do major Pettigrew”, da inglesa Helen Simonson (Editora Rocco, 2010/2011, 43l páginas). Trata-se de ótima indicação que me foi feita pelo nosso amigo comum Araken, de São Paulo, por sinal um leitor assíduo, atento, atualizado  e vitorioso.  É o primeiro romance de Helen Simonson, que nasceu na Inglaterra e mora nos Estados Unidos há cerca de vinte anos, em Washington, acompanhada do marido e dos dois filhos. O texto é gentil, amoroso, repleto de tiradas espirituosas, no estilo do humor tipicamente inglês: “O major  Ernest Pettigrew preza tudo aquilo que o homem inglês deve possuir para viver dignamente: honra, dever, decoro e uma xícara de chá na temperatura certa”. O que não falta durante todo o relato é chícara de chá, brindando tudo e se envolvendo diretamente com a delicada narrativa:o major Pettigrew é viúvo de dois anos, com 68 anos de idade, oficial aposentado, vivendo em Edgecombe, uma pequena e mexeriqueira cidade do interior da Inglaterra, “cercada por colinas e povoada por vizinhos fofoqueiros e apegados às convenções”.  Espirituoso e inteligente, formal e carismático, o major é relativamente feliz com a sua vida simples e tranquila, com as “idas semanais ao clube de golfe, telefonemas esparsos do filho ocupadíssimo e com a leitura dos poetas clássicos, acompanhada de um tradicional chá inglês”.  Descobre-se repentinamente sozinho, com a morte do irrmão Bertie, e se aproxima sutilmente de uma paquistanesa de nome Ali, com 58 anos, dona do mercadinho local, também viúva e leitora dos clássicos, silenciosa, gentil e generosa.  A narrativa é um encantamento e cheia de sutilezas: as intrigas das famílias e dos vizinhos; a história curiosa das duas famosas espingardas Churchill herdadas do pai e divididas em herança, uma para o major e a outra para o irmão Bertie; a estrondosa e tumultuada festa de fim de ano no clube; o difícil encaminhamento do relacionamento do major com Ali, um casal diferente, atípico.  De vez em quando, as “tiradas” inglesas: “mas hoje em dia os homens esperam que a esposa seja tão deslumbrante quanto a amante. – È um absurdo, disse o major. Como é que eles vão distinguir uma da outra?”   De qualquer modo,  o amor vai se encaminhando e assumindo a sua posição de chama forte, definitiva, destruindo as barreiras, vencendo a precariedade da sociedade moderna, os preconceitos culturais, de cor e de raça.  Sempre com o toque inglês e com o mistério do Paquistão.  Votos de boa leitura.  Abraços,

ANTONIO A. VELOSO.

domingo, 20 de novembro de 2011

Livros ("Liberdade")

Brasilia, 20 de novembro de 2011.


Com vivo interesse, acabei de ler o “Liberdade”, do Jonathan Franzen:  Editora Cia. das Letras, 2010/2011, 605 folhas.  O autor, nascido nos Estados Unidos, em 1959, ou seja, ora com 52 anos de idade, escreveu até agora quatro romances, sendo o mais famoso o “As Correções”, escrito há cerca de dez anos e que lhe proporcionou o prêmio National Book  Award de 2001. Tal como “As Correções”, a narrativa de “Liberdade” também se dá no meio-oeste americano, no contexto de uma família de classe média: naquele primeiro romance, as atribulações da família Lambert (Alfred e Enid, com os filhos Gary, Chip e Denise) e neste último a família Berglund (Patty e Walter, com os filhos Joey e Jessica).  O texto de “Liberdade” é ótimo. Trata-se de um atual, vibrante e abrangente  painel da vida americana, entre 1970 e 2010, descrevendo eventos cruciais na área política, durante o governo George W. Bush (entre 2001 e 2008) e o advento do sucessor Barack Obama, além de desenvolver importantes discussões sobre problemas do meio-ambiente e da superpopulação mundial, com implicações ambientais. A trama é muito bem estruturada, embora sobre temas comuns e quase triviais:  no relato, está por inteiro o famoso triângulo amoroso,  envolvendo o pacífico e bem comportado maridão Walter (“ o cara mais amável de Minnesota”), a irrequieta jogadora de basquete feminino Patty e o charmoso, cínico e mulherengo Richard Katz, músico talentoso da banda de rock Traumatics e,  mais adiante, do grupo country Walmut Surprise. È um trio interessante , intimamente ligado entre si e que convive desde a Universidade. Patty, o grande amor da vida de Walter, amigo especial de Katz, termina por se deixar seduzir pelo charme irresponsável do roqueiro, o que vai abalar as estruturas do relacionamento do casal, conduzindo mais adiante ao envolvimento de Walter e da bela Lalitha, indiana, sua jovem e competente auxiliar nas atividades profissionais na área ambiental.  Outro foco marcante da narrativa é todo o intrincado jogo de relacionamento entre os pais e os filhos Jessica e Joey, este desde cedo envolvido com a apaixonada vizinha Connie, com quem se casa prematuramente e à revelia dos dois. È muito cuidadosa a atenção que o autor dedica aos personagens coadjuvantes, mostrados com densidade e profundidade, em prosa forte e realista.  Richard Katz, a despeito da íntima amizade com Walter, aparece com grande força desestabilizadora da vida do casal.  Joey, declarado simpatizante do Partido Republicano, defensor da guerra contra o Iraque, contrasta arrogantemente com o pai, liberal, pacífico, ambientalista, que faz questão de ir de bicicleta para o trabalho .  O texto é desenvolvido com talento e competência, dissecando psicologicamente os personagens e aprofundando as suas reações,  com envolvimento inteiro do leitor.  Trata-se,  em resumo,  de painel alentado sobre a realidade americana, que justifica a estrondosa repercussão recebida no seu lançamento. È certo que pode ter havido exagero na reação do jornal inglêsThe Guardian quando, adicionalmente à designação de livro do ano,  nomeia o “Liberdade“ como o livro do século.  De qualquer forma, vale a pena penetrar no vasto e conflituoso mundo da família Berglund.  Boa e proveitosa empreitada para todos.  O abraço do

Antonio A. Veloso.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Livros "Deus está cansado"

Brasilia, 3 de novembro de 2011.

TEXTO:  “Deus está cansado”, de Everaldo Moreira Veras, Edições Sarev, Recife-PE, 2011, l43 páginas.
-   O autor, nascido em Parnaíba, PI, viveu muitos anos em Recife, Pe.. Engenheiro, psicólogo, contador de histórias, publicou cerca de 500 contos. Recebeu vários prêmios literários.

-   O texto, caprichado e criativo, é muito interessante:  caracterizado como romance,  não tem a forma de narrativa com os seus personagens e história próprios, roteiro e cronologia.  O texto é amplo e diversificado, desenvolve-se de forma sui-generis, singular.  Trata-se, na verdade. de um apurado mosaico de pensamentos, reflexões, fatos envolvendo um pouco de tudo, quase tudo:
-   fala da vida, de emoções, fala da sensibilidade humana, da compaixão, do “compromisso de jogar criaturas no mundo”, da falta de medo, do medo da morte, da descrença, dos recomeços (“me renovo a cada instante”), da antiesperança, das fraquezas, da despedida grosseira do emprego aos dezessete anos(“saí de mansinho, cabisbaixo, um cachorro amordaçado, rabo murcho entre as pernas”) ;
-   fala de muitas outras coisas, um mundo de coisas do nosso dia a dia, numa linguagem forte e criativa, às vezes agressiva, quase cínica e debochada;  fala frequentemente e abundantemente de Deus e faz queixas: “fez do homem que gerou um ser humilde, impuro, fraco, capaz de sofrer e pecar. Deu-lhe o livrre arbítrio,o direito de tomar o rumo sozinho, escolher o que lhe conviesse, é verdade. Mas será suficiente? O Criador pôde realizar o que há de mais belo: a vida.Contudo, deixou e deixa sua criação extinguir-se, sem piedade, sem compaixão, em curto prazo. Como se a morte não fosse o pior de todos os recursos, o fim”;
-   Deus ressurge seguidamente no curso dos eventos, é personagem central.  Às vezes, envolto em dúvidas e incertezas: “abro os braços, na rua proclamo o nome de Deus, o que não estabelece. Ainda assim, parece que acredito nele. Sim. Não. A dúvida permanece.”;
-   o protagonista fala das mentiras que conta: “conto inverdades sem parar, sou mentiroso no decorrer das horas. Vergonha não tenho, finjo, sou um farsante, mostro o que não confirmo;
-   fala amorosamente  dos poemas que escreve : os poemas que escrevo são ridículos, inexpressivos, desenxabidos, não apresentam o mínimo valor, mas eu os abençôo. São autênticos, reais, resignados, acredito neles, tanto quanto os inimigos.“
-   contundentemente, revela momentos de grande negação:”meu coração é infiel, sujo, ordinário, idiota, covarde.  Não acolhe ninguém – mentiroso, não pulsa, prefere o esconderijo fácil da insensatez, da imprudência, não está pronto para reagir. Uma vergonha. Não odeio, mas afirmo que não amo”;
-   e sempre volta a  Deus: “E descrevo o Deus Superior, todo-poderoso, senhor absoluto do Universo, que ampara, me enche de festa e alegria” ...”O Senhor me ouvirá, chamarei por ele; “ ...Mas confio em Deus, que me segurará (confiaria mais ainda se ele, Deus, existisse)”;
-   fala duramente do período de infância e juventude: “nasci e sempre ouvi a palavra “não me acostumei com ela. Passei as maiores privações na infância – me acostumei com isso.  Arrumei a primeira namorada, ela me deixou por causa de outro menino – me acostumei com a decepção.  Trabalhei duro na juventude, miserável – me acostumei com o dinheiro curto. Já adulto, amei muitas mulheres, feias e belas, todas me deixaram no momento difícil – me acostumei com a ingratidão. Estudei a vida inteira, sem parar, e  pouco aprendi – me acostumei  com a incapacidade. Tenho filhos por aí, que não me conecem – me acostumei com a indiferença do primeiro ao último.  Tive pai, e nunca fomos bons amigos – me acostumei com o não gostar dele. Tenho mãe, que me sufoca e me desgasta – me acostumei com o seu pessimismo. Perco sempre, coisas e pessoas – me acostumei com o não pensar em lucro. Escrevo livros, sofro com eles, dia  e noite – me acostumei a amá-los como a salvação. Não tenho alegria, disposição , sangue, nada – me acostumei a dizer que sou feliz.  Serei?
- e vem a persistência em falar de Deus, num Deus cansado: “Deus não atende, está exausto, recolheu-se para repousar, disse que não agüenta mais.  Que não pode,não deve, nem quer perdoar as pessoas, passar a mão pela cabeça dos pecadores.  Não sou burro de carga! – advertiu, rigoroso, aborrecido, enérgico, ignorante. Bufava de raiva, de ódio”;
- numa certa altura, desabafa:”quem quiser pai, que procure, investigue por aí, eu investiguei feito um cão danado. E não encontrei. Não tenho pai nem mãe, sou filho de um poste de concreto armado“; E acrescenta, sem meias-palavras: “E meu pai morreu, não fui bom filho. Teria meu pai morrido por causa disso? Não tenho pai porque eu o assassinei. Quando ele existia, não o compreendi, tampouco fui eu compreendido. Nunca nos abraçamos como amigos. Fui culpado? Não, por isso me esqueci dele, vivo ou morto. Agora, pai eu sou dos filhos que joguei no lixão, irresponsável”;
-   mais adiante, o relato vai assumindo a forma assemelhada de contos: a curiosa história, em Recife, do respeitado médico, doutor Cláudio Sabóia, profissional de alto nível, “cirurgião plástico de grande competência, várias vezes solicitado até por clínicas dos Estados Unidos para participar de cirurgias e estudos avançados”.
Era um cientista, um verdadeiro gênio. Paralelamente, freqüentador diário , nos finais de tarde, da sede do Sport Clube, era notável mestre no jogo de xadrez. Em Havana, Cuba, arrebatou o título de campeão sul-americano, derrubando figurões enxadristas. Surpreendentemente, todo esse sucesso esbarrou na figura inexpressiva do pouco conhecido Teobaldo, o Téo Cinzeiro  -  magro, alto, bigodinho ralo, jovem dezessete anos, no máximo“.  Uma tragédia ...  Há, também , a história do sonho esquisito com o Papa João Paulo II, até hoje aguardando resposta e explicações do Vaticano no sentido de desvendá-lo, bem como a vergonhosa experiência vivida por Geomilo como redator de importante empresa de comunicação,  além do episódio da descoberta da passagem secreta “lá no cinema da cidadezinha onde morávamos”  e, com destaque, a espetaculosa proesa do “tubarão faminto que passeava pelas águas rasas da praia” e que topou com “um  alvo preto, a mexer-se como se quisesse nadar – uma criatura viva, decerto pronta para ser devorada”. O objeto era um padre, com batina e tudo...  E havia também o caso do “homem pobre, miserável, que descobriu, certo dia, que possuía estranha capacidade, um dom extraordinário: quando  chorava, suas lágrimas se transformavam em pingos de brilhante”. Quanto mais chorava, mais rico ficava com a enxurrada de brilhantes;
-   ao final de tudo, o protagonista se apresenta, em relação à questão com |Deus, aparentemente pacificado: “fui um guerreiro,, busquei o bem com sangue e suor. Combati o bom combate. Minha vida foi digna, serena, correta, obediente, não renunciei a procura porque meus caminhos eram os da verdade. Eu os cumpri sozinho, por mim. Assim, me aproximei de Deus, ele existisse ou não, fui confiante na luta que escolhi sem medo, determinado.  Decerto a resposta será a salvação, o pedaço do céu que conquistei, o meu lugar. Guardo a fé.   

Brasília, 3/11/2011.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Clube do livro ("O retrato de Dorian Gray")

Brasilia, 10 de outubro de 2011.

Texto:  “O Retrato de Dorian Gray”, de Oscar Wilde, Editora Nova Cultural, 2002/2003, 238 páginas:

-   é sempre surpreendente e estimulante, para mim, a leitura de texto clássico, a exemplo de “O Retrato de Dorian Gray”.  O conteúdo é sempre relevante e atrativo, desde  que se dê o desconto do efeito danoso que o tempo opera;
-   a narrativa é exuberante, ambientada no século XIX, em Londres e em Paris.  È intensa em refletir os fatos e eventos da sociedade da época, com as intrigas e mistérios, no caso particular muito densa em explicitar os sentimentos, sensações e emoções, em clima algumas vezes melodramático;
-   o foco do relato está na busca, pelo personagem central, da eterna juventude, desejo manifestado no pacto que o jovem , bonito e elegante Dorian Gray, assume com o impressionante retrato de autoria do amigo e pintor Basílio Halleward.  Tal é a sua força, que o pintor se recusa a apresentar o quadro ora concluído em exposição , diante  de todo o empenho que depositou na sua dedicada elaboração: “porque, sem o perceber, pus nele a expressão de toda essa idolatria artística, da qual, naturalmente, nunca falei a ele.  Dorian não sabe de nada.  E jamais saberá. Mas o mundo poderia adivinhá-la, e eu não quero abrir a minha alma diante dos fúteis olhares curiosos... Há demasiado de mim mesmo nele... “;
- o ajuste entre Dorian e o quadro consistiu em estabelecer que Dorian manteria a sua aparência jovem e a extraordinária beleza enquanto o retrato suportaria todo o desgaste do tempo e das agruras da vida;
-   Dorian dizia para Basílio: “Sinto ciúme de tudo aquilo cuja beleza não morre. Tenho ciúme desse retrato meu que você pintou. Por que ele poderá conservar o que eu vou perder? Cada momento que passa tira-me algo e dá algo a ele. Oh! Se pudesse ser o contrário! Se o retrato pudesse envelhecer e eu permanecer tal como sou agora!
-   ganha dimensão, no livro, o personagem do grande amigo e influente Lorde Henry Wotton, o cínico e irreverente Harry, que induz Dorian para a busca incessante do prazer, das paixões e do pecado; Harry atua obssessivamente sobre Dorian e, para influenciá-lo, empresta-lhe um livro estranho, “uma novela sem enredo, com um único personagem”. “Era um livro cheio de veneno”;
-   o romance, através do cínico Harry,  cativante e pretencioso, desenvolve diversas teses contundentes:
a)   a vantagem das emoções consiste em nos desencaminhar, e a vantagem da Ciência, em não ser emotiva”;
b)  “meu caro amigo, nenhuma mulher é gênio. As mulheres são um sexo decorativo. Nunca têm nada a dizer, mas o dizem de maneira encantadora; as mulheres representam  o triunfo da matéria sobre a inteligência, exatamente como os homens representam o triunfo da inteligência sobre os costumes:”
c)   “Porque todos os pecados, como nos lembram os teólogos, são pecados de desobediência”;
d)   “A vida real era um caos, mas existia alguma coisa e terrivelmente lógico na imaginação. Era ela que colocava o arrependimento no rastro dos pecados. Era ela que proporcionava a cada crime sua prole horrenda. No mundo dos fatos comuns, nem os maus eram castigados, nem os bons recompensados. Os fortes alcançavam o êxito e o fracasso era reservado aos fracos”;
e)   “A civilização não é, de forma alguma, algo fácil de conseguir. Só há duas maneiras de chegar a ela. Uma é a cultura e a outra a corrupção.  A gente do campo não tem oportunidade de entrar em contato com nenhuma das duas maneiras. È por isso que permanece estagnada”;
f)   “É claro que a vida conjugal não passa de um hábito, de um mau hábito, por sinal”;
g)   “O crime é propriedade exclusiva da classe baixa.  E não a censuro por isso. Imagino que o crime é para ela o que a arte é para nós:  simplesmente um meio de alcançar novas sensações”.

-  é quase fantasmagórica a descrição da cena, em plena madrugada, do assassinato do pintor Basílio,  a facadas,  abruptamente, no quarto da residência do Dorian
Gray.
-   enfim,  trata-se de leitura com variados atrativos.

O abraço do

Antonio A. Veloso.

ANTONIO A. VELOSO

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Livro - Saga Brasileira - Miriam Leitão

Brasilia, 2 de agosto de 2011.
 
Já de volta a Brasília, em seguida à temporada de 20 dias no Ceará, estou concluindo a leitura do elaborado texto da Miriam Leitão: “Saga Brasileira – a longa luta de um povo por sua moeda”, Editora Record, 2011, 475 páginas. Trata-se de uma contribuição valiosa para sustentar a memória de uma história forte, vivida pelo país,sobre o tormento da hiperinflação.  È uma história bem contada, em fluente estilo jornalístico, amparada com amplas reportagens e importantes depoimentos, resultado de um incomensusável esforço pessoal e de equipe, ao longo de muitos e muitos anos: “Foi tão longa a construção do livro que ele passou a ser quase um outro membro da minha vasta família”, diz a autora. “Usei para escrever este livro informações que a memória reteve das mais de três décadas de jornalismo econômico, vários livros e textos que estudei com este objetivo, as entrevistas formais e informais com autoridades, visitas a empresas e as conversas com pessoas que sofreram o impacto das crises.”  O texto cobre, com amplitude e minúcias, desde os l5 anos anteriores ao Plano Real até os nossos dias, dissecando toda a angústia e os tormentos do que representou o combate à inflação no caso brasileiro: “l3,3 trilhões por cento foi a inflação acumulada nos l5 anos que antecederam o Plano Real.  O país teve cinco moedas entre l986 e 1994. Para os brasileiros, isso significou instabilidade de preços, indexações, congelamentos, tabelamentos, confisco de poupança, privações, insegurança”.  O relato é competente e prazeroso, desvendando mistérios, revelando curiosidades, mostrando autorias e a intimidade das coisas.  A descrição do Plano Cruzado e seus desdobramentos é feita de forma direta e ilustrativa, revelando a melancolia de um governo desarticulado e sem força, desmanchando-se no ar.  “Tudo foi piorando nos meses finais do governo Sarney após o fracasso do Plano Verão. Sarney havia ampliado os gastos para conseguir no Congresso mais um ano de mandato.Depois do fracasso do plano, desinteressou-se pelo governo. O país ficou à deriva. Sarney passava mais tempo em Curupu, a ilha da família, que no comando do navio que afundava”.  E veio a marca infeliz: “tinha-se a impressão de que não havia governo naquele fim melancólico de mandato esticado de Sarney, que elevou a inflação a 83% no seu último mês.”  O relato em seguida da experiência do Plano Collor é arrasador.  Tudo inesperado e mal explicado: o plano “desorganizou  vida e anarquizou os projetos pessoais de todos... “  O confisco absurdo, as inseguranças da equipe, o destempero, tudo mostrado com realismo, inclusive o lado bom do estímulo à abertura do país.  Em síntese: “O Plano Collor foi o mais devastador dos erros cometidos. E não trouxe a estabilidade. “   Mais adiante,  vem, com grande competência e abundância de dados e informações,  a delicada narrativa da experiência que resultou no Plano Real e na tão esperada e perseguida novidade da moeda estável, com os seus bons frutos e efeitos positivos na modernização e avanços do país. Com apurado senso jornalístico, a autora nos apresenta, de fato, uma verdadeira saga, em busca da proteção e estabilidade da moeda brasileira.  Ótima leitura
Abraço caloroso.

Antonio A. Veloso.

sábado, 30 de julho de 2011

Livro - Desesperados

Brasilia, 30 de julho de 2011.

Envio-lhe a minha resenha do “Desesperados” e peço-lhe a gentileza de fazer distribuir entre todos do Clube do Livro (reunião do próximo dia 08.08.2011. Abraços.

Antonio A. Veloso

Texto: “Desesperados”, de Paula Fox, Cia. das Letras, l970/2007,  186 páginas.

-  Trata-se de uma leitura primorosa, sutil, prosa enxuta e impecável, rigorosa, envolvida num humor ácido e sem concessões. È um romance de múltiplos suspenses, descritos com delicadeza e força, rigor e densidade.
-   A autora, Paula Fox, nasceu em Nova York em 1923 e começou a escrever aos 43 anos.  Foi colocada por sua mãe numa instituição de caridade e criada, em parte, pela avó espanhola e em parte  por um pastor protestante. Publicou  mais de uma dezena de livros infantis, aclamados e premiados, e cerca de seis livros para adultos, sendo três publicados no Brasil:  “Pobre George”, “Desesperados” e “Costa Oeste”.  Fez grande sucesso na época dos lançamentos, nos anos 60, mas foi praticamente esquecida e só agora redescoberta com grande força, tendo sido objeto de amplo reconhecimento pelo escritor americano Jonathan Franzen (autor do recém lançado “Liberdade”), que faz a cuidadosa apresentação de reedição brasileira do “Desesperados”.
-   O texto parte de um final de semana do casal de meia-idade Sophie e Otto Bentwood, recém instalados  no Brooklin, em área de população pobre. Tudo parecia normal e pacífico, até que um gato de rua, a quem Sophie oferece um pouco de leite, lança-se sobre ela e morde a sua mão.Sophie passa a cultivar o medo de ter contraído raiva, ao mesmo tempo em que, ambiguamente, recusa ajuda, sob a desculpa de que não é nada, “o gato não estava doente”, 
-   A partir desse acontecimento aparentemente banal, desencadeia-se um processo de múltiplas tensões, gerando um clima de pessoas aflitas e desesperadas:  em particular, para Sophie e Otto, é a dúvida imediata e constante sobre a gravidade ou não do incidente com o gato (sensação de coisa à toa, mas se for raiva?);  a insegurança sobre as inquietações do casamento, nitidamente em baixa;  o rompimento traumático da sociedade entre Otto e Charlie, este sendo praticamente o amigo de toda a vida do Otto; o desenlace tortuoso entre Sophie e o amante Francis, casado e que volta de repente para a esposa, sem maiores explicações; o estranho comportamento de Haynes e sua família, incumbidos de fiscalizar a propriedade de campo do casal Otto e Sophie, na aldeia de Flynders, mas mesmo assim deixando-a ser assaltada e depredada;  o suspense da intrusão do estranho negro na residência do casal, sob a alegação premente de que precisava telefonar urgente para a rodoviária; a tensão da pedra atirada na janela do apartamento do amigo Mike Holsteir numa noite de recepção para jantar.
-   O estilo narrativo da autora é refinado e atraente.  È particularmente tocante a descrição do episódio que envolve Sophie na despedida do amante Francis, com destaque para o desenlace sem barulho ou confusões.
-   Finalmente, recomendo a leitura atenta do ótimo texto de introdução do Jonathan Franzen , que leu o livro, em l99l, por seis vezes e, vivamente interessado, revela a disposição de relê-lo.

Brasília, 30/07/2011.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Livro - Um Dia, de David Nicholls

Brasilia, 20 de setembro de 2011.

Repasso-lhes resenha de romance que acabei de ler e que é uma boa novidade, em termos de texto criativo, inteligente, leve e solto: “Um Dia”, de David Nicholls, Editora Intrínseca, 2009/2011, 411 páginas.  O autor, nascido em 1966, em Hampshire, Inglaterra, é formado em literatura, trabalhou em espetáculos teatrais, foi vendedor de uma rede de livrarias, leitor de peças e pesquisador da BBC  Rádio Drama e editor de roteiros, tendo publicado dois outros romances (“Startes for Ten” e “The Understudy”).  Para ilustrar, reproduzo algumas impressões sobre “Um Dia”:
-   The Times: “Um livro sensacional. Sensacional”. “Inteligente, engraçado, sagaz e, por vezes, insuportavelmente triste”;
-   The Guardian: “Provavelmente o melhor livro do ano”;
-   Nick Hornby, escritor: “Cativante, inteligente, espirituoso”;
-   Herald: “Nicholls captura o tédio dos recém-formados. Um texto sem falhas”;
-   Álvaro Pereira Júnior, Folha de S.Paulo: “Eu não seria capaz de descrever quanto é excelente e quanto adorei Um Dia”;
-   The Independent: “Difícil encontrar uma comédia romântica tão afiada e doce como a história de Dex e Em.”

O romance é uma narrativa instigante sobre duas pessoas visceralmente ligadas, diferentes entre si, que desenvolvem uma bonita trama de amor: com inicio em l5 de julho de 1988, na formatura de Emma Morley e Dexter Mayhew,  Em e Dex, estende-se por vinte anos, contada a cada dia l5 de julho. Os dois personagens são apresentados a cada ano nessa data, segundo suas circunstâncias, às vezes como amigos, outras como apaixonados, em outras ocasiões apenas se falando, cada um vivendo os seus relacionamentos e amores.  Temperamentos diferentes – ela, mais recatada e tímida, mais amadurecida, tentando realizar os seus projetos de vida, ele completamente desligado e solto, bonitão, curtindo a vida e as aventuras, frequentemente bêbado e “chapado” -  vão tocando independentemente as suas trajetórias, mobilizando o leitor na expectativa de poder ver o casal, finalmente,  ajustado e vivendo junto. È emblemática a descrição completa do primeiro dia (15 de julho de l988), em que Em e Dex celebram a formatura da Universidade no apartamento alugado de Emma e de sua amiga Tilly Killick.  O romance, publicado em 2009 sem maior estardalhaço, acabou tendo enorme sucesso pelas indicações boca a boca, com mais de um milhão de cópias vendidas, traduzido para 31 idiomas e com permanência de três meses na lista dos mais vendidos do “New York Times”. Adaptado pelo próprio autor, deverá ser lançado no cinema proximamente, em novembro deste ano. Divirtam-se!   Abraços.

Antonio A. Veloso.

domingo, 26 de junho de 2011

Livro - Ressurreição, de Liev Tolstoi

Brasilia, 26 de junho de 20ll.


Favor mandar repassar para os demais participantes do Clube do Livro a anexa resenha, com vistas à reunião de 04/07 próximo.Abraços do
Antonio A. Veloso

Texto: “Ressurreição”, de Liev Tolstoi (Editora CosacNaify, l964/20l0, 431 páginas).

-  Trata-se de lançamento recente no Brasil, em edição primorosa, com tradução direta do russo, do escritor premiado e tradutor especializado Rubens Figueiredo. Compõe a trilogia de obras-primas de Tolstoi: “Guerra e Paz”(l869), Anna Kariénina (1877) e “Ressurreição”(l879);
-   “Ressurreição” é um capítulo importante na trilogia, em que o aristocrático autor de clássicos da literatura universal “se converte a uma forma primitiva de cristianismo (sendo excomungado pela Igreja Ortodoxa russa) e, aos 82 anos, foge de sua propriedade rural, em Iasnia Poliana, para morar à beira de uma linha de trem;’
-   na expressão de Mikhail Bakhtin, “um exemplo mais perfeito e mais coerente  de romance sócio-ideológico”, refletindo um vivo e amplo painel da realidade russa da época (século XIX), devastador na crítica de uma sociedade desigual, injusta e conflitiva. Descreve um mundo de  desigualdades e atribulações, de miséria humana, de injustiça social:  julgamentos defeituosos, cadeias miseráveis,prisioneiros políticos,criminosos , estruturas deformadas de poder e força, desigualdades no campo e da sociedade aristocrática, vida na capital, pessoas condenadas aos trabalhos forçados na Sibéria;
-   com risco para derivar para um incontrolável melodrama, o autor -  superior e profundo  -  instigante em sua obra e na sua vida, desenvolve narrativa rica de agudas reflexões, engrandecendo cada personagem e cada situação. O relato é denso, profundo, embora acentuadamente moralista;
-    em síntese:  numa noite de Páscoa, em que se celebra a ressurreição de Jesus Cristo, o príncipe Nekhliúdor,  ainda adolescente, seduz a criada Katiucha Máslova e esta, grávida, é expulsa a casa das tias do nobre, ficando desamparada e envolvendo-se na prostituição. Algum tempo depois, termina sendo acusada de envenenar um cliente.  Nekhliúdov é convocado para o júri do injusto julgamento de Katiucha, do qual resulta a condenação de quatro anos de trabalhos forçados na Sibéria. Tentando ajudá-la, o príncipe passa a viver uma aguda crise de consciência, com forte sentimento de culpa, o que o leva a acompanhá-la em todos os seus passos e a percorrer, com Katiucha, o longo e penoso caminho da sua ressurreição, inclusive oferecendo-se para casar com ela, a título de reparação;
-     Tolstoi “pinta um quadro repugnante da sociedade russa”, desenvolvendo um devastador ataque ao governo, à sociedade, aos tribunais, ao regime carcerário  e criticando o artificialismo  e a falsidade das classes dominantes;
- a incrível história dos dois personagens principais  -  o príncipe Nekhliúdov e a criada e prostituta Katiucha  -  poderia parecer inverossímel  e exageradamente melodramática, não fora o fato de basear-se em acontecimentos reais, segundo relato de amigo do autor, advogado A. Kóni;
-    nas suas últimas páginas, “Ressurreição” menciona o “Evangelho de São Mateus” e abre a perspectiva de vida nova para Nekhliúdov:  “Como se, após longa aflição e sofrimento, ele de súbito tivesse encontrado a calma e a liberdade;”   ao final de contas, o texto “enxerga, além do caos, o advento da graça”.

terça-feira, 31 de maio de 2011

Livro - A República dos bugres

De: Antonio Augusto dos Reis Veloso.
Brasília, 3l de maio de 2011.

Parabéns, a você e aos demais membros da Diretoria da Abace,pela renovação do mandato.
A propósito do “A República dos Bugres”, envio-lhe, para conhecimento e distribuição entre os participantes do Clube do Livro, algumas anotações que me ocorreram. O abraço do
Antonio A. Veloso.

“A República dos bugres’, de ruy tapioca (editora rocco, 1999/2000, 530 páginas):
--  o autor, ruy tapioca, nascido em salvador (ba) emç 1947 e residente no rio de janeiro desde 1958, vem-se dedicando atualmente à literatura; com a sua estréia com “a república dos bugres” foi o ganhador de diversos prêmios literários (prêmio guimarães rosa de 1998, do governo do estado de minas gerais; o prêmio octávio de faria –  1998, o prêmio biblioteca nacional – 1997 e o prêmio literário cidade do recife – ficção 1998 – menção honrosa);
-- trata-se, efetivamente, de obra curiosa, em que o relato é feito em diferentes vozes,  de forma brejeira e brincalhona, com tom espirituoso  e galhofeiro, retratando a visão de personagens especiais, como o quincas, filho bastardo de dom joão vi, que se torna mestre-escola; o padre negro jacinto venâncio, filho de escravos, e contando ainda com a forte e contundente participação  do desabusado bacharel português viegas de azevedo, autor, entre outras, de três arrazadoras teses sobre a índole  do brasileiro e do português : “porque portugueses e brasileiros,padre, vieram ao mundo para esculhambar com o destino da humanidade: os primeiros, pela burrice atávi

ca, que é o principal atributo distintivoda raça; os segundos, pela canalhice genética de seus caracteres, safadeza vocacional que já correu mundo! – vociferou o bacharel’.  aPRESENTAVA, A PROPÓSITO, TRÊS TESES PARA EXPLICAR A SAFADEZA LATENTE DO BRASILEIRO: A “TEORIA DOS GENES PATIFES”, A “TEORIA DOS MIASMAS PESTÍFEROS E DOS AVENTOS ACANALHADORES” E A “TEORIA DAS MATRIZES RACIAIS VAGABUNDAS”.  
--  A NARRATIVA TEM BASE EM CUIDADOSA PESQUISA DE FATOS HISTÓRICOS E É APRESENTADA COM CRITIVIDADE E SINGELEZA, SEM ORDEM CRONOLÓGICA RÍGIDA, ALTERNANDO DATAS COM INDAS E VINDAS SOBRE DIFERENTES EVENTOS, DESDE A CHEGADA DA FAMILIA REAL PORTUGUESA AO BRASIL, EM 1808 , ATÉ A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA, EM 1889;
--  O CAPÍTULO INICIAL JÁ É UMA ENTRAD PITORESCA E TRIUNFAL, EM TERMOS DE LINGUAGEM TIPICAMENTE PORTUGUESA, DESABRIDA E DE ÉPOCA;
--  SÃO MUITOS OS PERSONAGENS FAMOSOS E  PITORESCOS QUE TRANSITAM POR TODO O CURSO DA HISTÓRIA  -  CAXIAS, MACHADO DE ASSIS, CARLOTA JOAQUINAE SUAS PAIXÕES, DOM JOÃO VI, PEDRO I , PEDRO II, MARECHAL DEODORO DA FONSECA, OS LÍDERES  ZUAVOS BAIANOS (DOM OBÁ II DÁFRICA,, ZOROASTRO MEIA-BRAÇA), AS NEGRAS venÂNCIA, LEOCÁDIA E MUITAS OUTRAS;
--  SÃO MARCANTES AS DESCRIÇÕES DA GUERRA DO PARAGUAI, PALCO DE GRANDES ATROCIDADES, ASSINALADAS COMO VERDDEIRAS CHACINAS DE MULHERES E CRIANÇAS, A PONTO DE LEVAR O JOVEM CAXIAS A SE DEMITIR DO COMANDO DAS TROPAS BRASILEIRAS, POIS SABIA QUE, APÓS A ENTRADA EM ASSUNÇÃO, A MORTANDADE SE AGRAVARIA,  UMA VEZ QUE O DITADOR SOLANO LOPES SÓ SE ENTREGARIA MORTO;
--  ENFIM,  O TEXTO DE “A REPÚBLICA DOS BUGRES” É UM VASTO E GOSTOSO PANORAMA DA REALIDADE HISTÓRICA E DA SOCIEDADE DO PAÍS NAQUELE PERÍODO, CONDUZINDO O LEITOR POR CAMINHOS INUSITADOS, EM TOM JOVIAL, COM RIQUEZA DE LINGUAGEM.

sábado, 16 de abril de 2011

Livro - Meu tipo de garota, de Buddhadeva Bose

Completei hoje leitura muito especial e agradável: ¨Meu tipo de garota¨, de Buddhadeva Bose, Cia. das Letras, l95l-2009-2011, l46 páginas.

 

 O autor (l908-l974), nascido em Bengala, foi um dos mais destacados escritores bengalis do século XX. ¨Meu tipo de garota¨é um texto da maior delicadeza, suave, sutil. Reúne quatro personagens aparentemente estranhos e que se encontram na sala de espera da estação ferroviária de Tundla, na Índia, numa noite fria de inverno, enquanto aguardam a ferrovia voltar a funcionar. Inspirados pela entrada repentina de casal de jovens na sala, decidem, para matar o tempo, que cada um dos quatro passageiros passe a contar uma história de amor de que tenham participado ou de que sejam testemunhas.  São quatro pessoas com diferentes profissões, de regiões diferentes: um empreiteiro, um burocrata do governo, um médico renomado, um escritor praticamente desconhecido. As histórias, refinadas e conduzidas com acuidade e sutilezas,formam  um painel delicado das emoções humanas, refletindo as variadas formas de amor. Em síntese: o empreiteiro relata a história de Makhanal, filho de marceneiro formado na faculdade, bem sucedido nos negócios e cada dias mais rico, mas que não consegue romper a resistência  da família vizinha e conquistar a filha; o funcionário do governo conta a história do seu próprio amor na adolescência, uma bonita garoto que o amava mas que termina casando com outro homem; o médico conta uma história de final feliz, embora repleta de embaraços e dificuldades; o escritor Bikash, poeta melancólico e sentimental, faz um relato singular de três  amigos dedicados  e que exercitam um amor platônico por uma moça de família rica e que se casa com um morador de Calcutá.  Os relatos, independentes e autônomos, mostram ao final uma profunda consistência, revelando importantes aspectos da sociedade indiana do principio do século XX. Trata-se de um dos livros mais importantes de Bose,  num texto originalmente publicado em l95l. A meu ver, ótimo :  recomendo ! Abraços.  

Antonio A. Veloso.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Livro “Percorrendo Memórias” Dr. Aloysio Campos da Paz Júnior

Brasília, 12 de abril de 2011.


Participei, no último dia 6/4, no Salão Nobre do Senado Federal, do lançamento do recente livro do Dr. Aloysio Campos da Paz Júnior, “Percorrendo Memórias” (gráfica da Rede SARAH, Sara Letras, 2010, 190 páginas). O livro, em fino acabamento e esmerada apresentação gráfica, conta com fotos do arquivo pessoal do autor e do arquivo da Rede SARAH: o prefácio, intitulado Um Homem Diferente, é de autoria do filósofo Leandro Konder, e o posfácio reúne comentários da professora Adélia Bezerra de Meneses. Leandro Konder assinala: “o doutor Aloysio Campos da Paz é uma pessoa diferente de todas as outras... Seu livro está cheio de referências a momentos cruciais do século XX. Aloysio pertence, eticamente, ao grupo daqueles que costumamos classificar de esquerda democrática, isto é, àquele setor da sociedade que luta não só pela liberdade para todos, mas também pela igualdade (ou, dito em outros termos, pela diminuição das desigualdades sociais).” A professora Adélia Bezerra de Meneses, respondendo à pergunta sobre se valeu a pena o livro de memórias, pois “memórias” podem ser algo muito chato”, foi taxativa: “Depende de quem são as memórias. Efetivamente, sendo seu autor quem é, trata-se aqui, ultrapassando o individual e o pessoal, de memórias de uma geração, da qual ele é porta-voz e agente.” O texto é, de fato, representativo, mostrando desde a infância do autor, sua família, sua vida no Rio de Janeiro e posteriormente em Brasília, os estudos, a estada no exterior, doutorado em Oxford, toda a convivência com os colegas e grandes mestres, a experiência e vivência com os acontecimentos militares da década de 1960, os chamados “anos de chumbo”, a retomada da democracia e os seus conflitos, o advento da Constituição de 1988 e tudo mais. Paralela e concomitantemente, descreve a sua luta profissional na medicina, os seus projetos singulares, a evolução das idéias e planos até a implementação da Rede SARAH nos diferentes espaços do país (Brasília, Salvador, São Luis, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Belém, Macapá). Conta, ainda, a  “aventura” da implantação dos regimes de tempo integral e, por último, da dedicação exclusiva nos projetos do SARAH, o “Sarinha”, o “Sarão” e tudo mais. No livro, tudo é relatado em tom ameno e discreto, com jovialidade e bom humor, mesmo quando se tratava de abrir mão do seu lucrativo consultório particular ou quando a matéria era política/militar. Refletindo o seu sentido de gratidão, doutor Aloysio faz, delicada e discretamente, o registro em favor das pessoas que colaboraram no governo federal com o seu programa e com a montagem da estrutura financeira para a respectiva implementação: “Para que o programa começasse a ser implementado, pois ele circularia através da Secretaria de Planejamento da Presidência da República, teve um papel fundamental Antonio Augusto dos Reis Veloso, irmão do então ministro do Planejamento, João Paulo dos Reis Velloso. Quando a proposta estava pronta, foi defendê-la perante o ministro.” A foto da contracapa, de sua autoria, mostrando o casal de jovens em cadeiras de roda se beijando amorosamente, é muito bonita, marcante e emblemática. Digna de registro, igualmente, a delicadeza com que o autor se refere à doutora Lucia Willadino Braga, prata da casa, e hoje cientista de renome, desde cedo dedicada à Rede SARAH e que ora dirige com dedicação e competência. Em Oxford, doutor Aloysio já havia recebido do doutor Trueta a sentença: “Você vai se sentir professor somente quando formar alguém melhor que você.” Segundo o doutor Aloysio, o destino se cumpriu na pessoa da doutora Lucinha, eleita em novembro de 1999 doutora honoris causa da Universidade de Reims, na França, por seus trabalhos na área da neurociência. A meu ver, valeu a pena o registro das memórias.
Abraço para todos.
Antonio A. Veloso

domingo, 10 de abril de 2011

Livro - Churchill de Paul Johnson

É com entusiasmo que faço a resenha de ótimo livro que acabei de ler, no gênero de biografia: ¨Churchill¨, de Paul Johnson, Editora Nova Fronteira, 2009/20l0, l59 páginas. 


 O autor, jornalista e historiador inglês, opera verdadeiro milagre em conseguir reunir em pouco mais de l50 páginas os fatos relevantes da trajetória grandiosa dos 90 anos de Churchill (Winston Leonard Spencer Churchill, l874-l965), ö grande homem do século¨, em contraste, por exemplo, com a melhor biografia até agora disponível de autoria de Roy Jenkins, com cerca de 900 páginas, escrita aos oitenta anos do autor.  O texto de Paul Johnson é precioso, dinâmico, retratando com
vigor o verdadeiro turbilhão que foi a vida de Churchill, personagem singular e relevante na Inglaterra e no mundo, sobretudo na Segunda Guerra Mundial, entre l939-1945. Fala-se de que o livro foi uma encomenda da editora para apresentar e familiarizar os jovens com o maior estadista do século 20.  Criança esperta e saudável, filho de pais ilustres, desenvolveu trajetória política vertiginosa, meteórica, conturbada e repleta de conflitos e rixas.  Orador destacado e impressionante, aperfeiçoou fluência na língua inglesa escrita e falada: era um cuidadoso dominador das palavras, um verdadeiro ¨mestre, um virtuose em seu uso¨.  Ao final de sua vida, calcula-se que Churchill tinha acumulado a publicação de cerca de 10 milhões de palavras, mais do que a maioria dos escritores profissionais. Ainda cedo, quando indagado sobre a que atribuía seu sucesso na vida, respondeu: ¨Preservação da energia. Nunca ficar de pé quando pode sentar e nunca sentar quando pode deitar¨. Ele curtia o hábito de ¨trabalhar pela manhã na cama, falando ao telefone, ditando e consultando.¨ A despeito disso, nunca se furtou ao trabalho pesado propriamente dito,numa jornada muitas vezes habitual de dezesseis horas por dia. O texto do autor, Paul Johnson, nos faz sentir participantes pessoais da vida eletrizante de Churchill, como se estivéssemos em companhia do personagem. As descrições da época da Segunda Guerra Mundial são raras e imperdíveis, coroadas no livro com a indicação dos dez pontos essenciais para responder sim à pergunta sobre se Churchill salvou pessoalmente a Inglaterra. Vale a pena aprofundar esses dez pontos essenciais, mostrados no capítulo 6 – Poder Supremo e Frustração.  Outro ponto alto do texto, logo em seguida ao êxito final da guerra é o que fala da reação da esposa de Churchill,|Clementine, ao comentar o resultado desastrado das eleições de l945, com a derrota de Churchill: ¨Talvez seja uma benção disfarçada¨. Johnson expõe, com riqueza de detalhes,as diversas formas com que essa crença se justificou, na prática: Churchill foi poupado da agonia de ¨presidir a uma dramática mas inevitável contração do poder global da Inglaterra¨( a nação emergiu exaurida do conflito e empobrecida);  o governo trabalhista no poder não hesitou na concessão da independência à Índia, dividida em duas partes, a hindu e a muçulmana, com terríveis massacres;Churchill foi também poupado de presidir ao nascimento de Israel, a de3speito de ser ardoroso sionista; Churchill considerou uma sorte a guerra da Coréia acontecer no governo trabalhista; a derrota de Churchill na eleição de l945 foi também uma benção por aliviar a sua carga de trabalho, o que evitou sua morte mais cedo, segundo os médicos. Churchill faleceu em 27 de janeiro de l965. No final, vê-se que o resumo de sua vida foi valiosíssimo: aos 90 anos, Churchill passou 55 como membro do parlamento, 31 como ministro e quase 9 no cargo de primeiro-ministro;  participou de l5 batalhas, foi figura relevante na Primeira Guerra Mundial e teve atuação destacada na Seunda Guerra Mundial ; foi autor privilegiado, com cerca de 10 milhões de palavras publicadas e foi pintor de mais de 500 telas; reconstruiu imponente propriedade particular, com magnífico jardim com três lagos; recebeu o Prêmio Nobel de Literatura e inúmeras comendas e honrarias.  Assim, Winston Churchill teve uma vida plena,e poucas pessoas talvez possam igualá-la  -  em escopo, variedade e sucesso em tantas frentes.¨  Recomendo!     Sinceramente,

quinta-feira, 31 de março de 2011

Livro - Ligeiramente fora de foco

Brasília, 31 de março de 2011.

Encerrei hoje a leitura de “Ligeiramente fora de foco”, do renomado correspondente de guerra, escritor e fotógrafo Robert Capa (1913-1954): Editora CosacNaify, 1947-2010, 296 páginas. Trata-se de texto de 1947, até agora inédito no Brasil, revelando o maior fotógrafo de guerra da história, que sempre desejou ser 1º escritor e que se mostra, no livro, disposto a tudo: “Sou um jogador”, disse para explicar a sua decisão de enfrentar o “ coração das trevas”. Explicou: “O correspondente de guerra tem a sua aposta (sua vida) nas próprias mãos e pode colocá-la neste ou naquele cavalo, ou pode colocá-la de volta no bolso no último minuto.” No seu trabalho intenso e determinado, Robert Capa adotava a regra que indicava a seus colegas fotógrafos: “Se suas fotos ainda não estão boas o suficiente, é porque você ainda não está perto o suficiente”. Capa desenvolve o texto de forma bem humorada, com ironia e espírito de jogador de pocker, defrontando-se com os perigos e mostrando cenas que ninguém mostrou. Enfrentou terrenos minados, “largou amores pelo caminho para captar imagens na Guerra Civil da Espanha, na China e no palco europeu da Segunda Guerra Mundial”. No prefácio de 1999, o seu irmão, Cornell Capa, diz: “A vida de Robert Capa é o testamento de dificuldades superadas, um desafio enfrentado, um jogo ganho, a não ser pelo fim, quando pisou numa mina terrestre na Indochina e seu papel como testemunha se encerrou.” O texto é leve, a despeito dos horrores da guerra. Capa participou de importantes eventos: a invasão da Sicília, o desembarque das tropas americanas nas praias da Normandia, a libertação de Paris. Charmoso e com bom astral, comprou uma elegante e cara capa inglesa, Burberry, para assinalar a chegada ao famoso Dia D, o que ao final não se concretizou, por ter que abandoná-la no sufoco da invasão. São significativas as passagens descritas com os seus amigos Ernest Hemingway e John Steinbeck: chegou a participar de um exército improvisado por Hemingway e foi parar na Rússia em viagem com Steinbeck. As fotos de Capa se inscrevem entre as melhores da guerra: “A série do desembarque do Dia D é quase um cinema, cada imagem abre uma sequencia na nossa cabeça. Você praticamente imagina como o soldado vai atacar o inimigo.” No texto, Robert Capa define as fotos como “ligeiramente fora de foco, um pouco subexpostas e a composição não é nenhuma obra de arte.” Ia esquecendo: Robert Capa namorou a linda e famosa artista de cinema Ingrid Bergman. No meio de tudo, desenvolve-se uma sutil história de amor – Capa, a inglesa Pinky e, de penetra, o amigo Chris. A revista britânica Picture Post qualificou Capa como “o maior fotógrafo de guerra do mundo.” Em 25 de maio de 1954, acompanhando um grupo de soldados franceses no Japão, Robert Capa pisou numa mina terrestre, que o matou. A meu ver, texto e fotos inesquecíveis.
Grande abraço para todos.
Antonio A. Veloso

sábado, 12 de março de 2011

Livro - “Mauá”, de autoria de Jorge Caldeira

Brasília, 12 de março de 2011.


Li, somente agora mas com grande envolvimento e interesse, o excelente “Mauá”, de autoria de Jorge Caldeira:  Cia das Letras, 1995, 557 páginas. O autor, nascido em São Paulo (1955), foi editor da Folha de São Paulo e das revistas Isto É e Exame, tendo desenvolvido cuidadosa e ampla pesquisa para elaborar o texto do “Mauá”, importante referência para economistas, executivos e historiadores. A narrativa é forte e sedutora, mostrando com objetividade o caminho percorrido por um pioneiro do Império, o maior e mais curioso empresário da época: Irineu Evangelista de Sousa (1813-1889), barão e visconde de Mauá. As muitas biografias disponíveis sobre Mauá, fortemente inspiradas na sua preciosa “Exposição aos credores”, adotam a estrutura desse documento para explicar a trajetória do empresário, ou seja: a história de Mauá é apresentada como uma sequência natural das histórias de suas empresas. Jorge Caldeira, diferentemente, com grande determinação e esforço de pesquisa e organização, procura fugir desse arranjo e compor uma “visão cronológica global”. Com sucesso, apresenta uma visão além de tudo dinâmica e prazerosa. A cena inicial do texto, com Mauá aos 47 anos de idade, chegando na residência do Rio de Janeiro às quatro horas da tarde e submetendo-se ao assédio rotineiro dos filhos em busca de balas e guloseimas, é emblemática e reveladora do estilo do pai de família e líder. São muitas as revelações do texto, com fortes implicações sobre a história do país, sobretudo no II Império, com D. Pedro II, as armações políticas, as inúmeras guerras no Rio da Prata (Uruguai, Paraguai, Argentina), o tráfico de escravos, o crescimento do comércio, inclusive com o exterior, o florescimento das operações financeiras e cambiais, o nascimento da indústria. Liderando tudo, as iniciativas pioneiras de Mauá, estudioso, autodidata, equilibrado e correto, preocupado com o desenvolvimento e crescimento do Brasil. É mostrada toda a evolução de suas atividades e riqueza: de oficce boy a empresário destacado, com 17 empresas instaladas em seis países (Brasil, Uruguai, Argentina, Estados Unidos, Inglaterra, França), incluindo bancos, três estradas de ferro, uma grande companhia de navegação, a maior fábrica do país (fundição com 700 operários), empresas de comércio exterior, mineradoras, usinas de gás, fazendas de criação de gado e outras. Em 1867, dispunha de 115 mil contos de réis de ativos (cerca de US$ 60 milhões), em comparação com 97 mil contos de réis do orçamento do Império. Casado aos 27 anos com sobrinha de 15 anos, Maria Joaquina, tiveram 18 filhos. Nas crises e dificuldades empresariais, a grande preocupação de Mauá era preservar o seu nome, assegurando todos os pagamentos aos credores, meta que conduziu até o desenlace da falência, quando recebeu a decisão final de não ser falência criminosa, mas fortuita. “Com 65 anos de idade, cumpria até o fim a promessa de empenhar até a camisa, as botas e o chapéu velho para pagar os credores.” Leitura obrigatória, de qualidade.
O abraço amigo do
Antonio A. Veloso

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Livro - “Bravura Indômita”, de Charles Portis

Brasília, 16 de fevereiro de 2011.
 

Fiquei encantado de ler o clássico do oeste, publicado originalmente em 1968: “Bravura Indômita”, de Charles Portis, 1968/2011, Editora Alfaguara, 187 páginas. Trata-se de texto especial, caindo como uma luva para filme sobre o oeste americano, com a primeira adaptação para o cinema sendo feita em 1969, sob direção de Henry Hathaway, com John Wayne no papel principal, premiado com o Oscar. Acaba de ser lançada a segunda versão do filme, dirigida pelos irmãos Joel e Ethan Coen, com Jeff Bridges, em apresentação primorosa, também candidata ao Oscar. O romance é uma delicada e sutil obra-prima, em linguagem direta e seca, mas bem humorada. Conta a história de uma decidida e corajosa garota de 14 anos que contrata um velho e caolho xerife , “de bravura indômita”, destemperado, de nome Rooster Cogburn, para caçar o covarde assassino do seu pai em terras dos índios, no Arkansas. O agente federal, rabugento e chegado à bebida, é “um sujeito sem misericórdia, duro na queda, e medo não entra naquelas idéias.” A história reúne os três principais personagens - a menina de 14 anos, Mattie Ross, o agente federal Cogburn e o Texas Ranger LaBoeuf – em torno da épica aventura, perigosa e dramática, construída com inventividade e bom humor. Há descrições antológicas: o enforcamento público de três condenados, dois brancos e um índio, com a presença de cerca de 1000 pessoas e 20 cachorros; o julgamento do acusado Wharton, no Tribunal de Fort Smith, chamado de “matadouro Parker”, do famoso Juiz Parker, responsável pela sentença de morte de mais de cento e sessenta homens, dos quais assistiu pessoalmente mais de oitenta “balançando na ponta da corda”. “Bravura Indômita” é de fato um clássico, um livro envolvente, com personagens marcantes, inesquecíveis.
Abraço afetuoso.
Antonio A. Veloso