quinta-feira, 29 de março de 2012

Livros ("Os filhos da viuva")



È sempre um prazer renovado poder  retomar o contato com a escritora Paula Fox, hoje com 89 anos, que considero uma das mais brilhantes do cenário americano.  Acabei de ler o quarto livro dela publicado no Brasil:  “Os filhos da viúva”, escrito em 1976 e disponível pela Cia. das Letras, 1976-1986/2011, 233 páginas.  Li, anteriormente:  “Pobre George” (1967), “Desesperados” (1970)  e “A Costa Oeste” (1972).  “Desesperados” é, sem dúvida, o melhor de todos.  Paula Fox já escreveu mais de vinte livros “infanto-juvenis”, muitos deles premiados, e seis “para adultos”.  “Os filhos da viúva” é um texto complexo, de intensos e instigantes diálogos, envolvendo uma estranha família hispano-americana.  Laura Maldonado,  autoritária e voluntariosa,  e seu “frouxo marido”, Desmond Clapper, na véspera da partida de navio para a África, convidam um pequeno grupo para a despedida  -  inicialmente para drinques num hotel de luxo de Manhattan e em seguida para jantar em refinado restaurante de Nova York.  Os convidados são:  Clara, filha do primeiro casamento de Laura, insegura, tímida e submissa;  Carlos, um dos dois irmãos de Laura, assumidamente homossexual;  e Peter Rice, editor de livros, amigo da família, discreto admirador de Laura.  A mãe de Laura, Alma,doente, vivia num abrigo para idosos há cerca de dois anos e, justamente na tarde dos eventos de despedida, havia falecido  -  fato apenas conhecido por Laura, mas não revelado a mais ninguém.  O livro tem apenas sete capítulos, de tamanhos desiguais, sendo o primeiro o mais longo (80 páginas), sob o título “Bebidas”, relatando o demorado e conturbado encontro com drinques no hotel, em que se inicia intenso e forte diálogo do grupo, refletindo mágoas, desencontros e asperezas das diferentes personalidades.  A linguagem é frequentemente áspera e amarga:  “Os filhos homens da minha mãe são uns incapazes  -  sovinas demais até para casar. Imagine só, tornar-se um homossexual para não ter que sustentar uma mulher”.  Os conflitos perduram  durante o jantar e culminam com a cena inesperada de retirada de Laura, que sai pela noite chuvosa de Nova York, sem guarda-chuva ou casaco.  A narrativa ganha força e novos contornos:  o amigo e discreto Peter é incumbido de, ainda na madrugada, notificar pessoalmente os dois irmãos sobre a morte de Alma, a viúva do título do livro, com a restrição categórica de que Clara não poderia receber a notícia, “pois não se interessaria por ela”, segundo a mãe Laura.  Trata-se, em síntese,  e uma espécie de tragédia grega moderna, numa linguagem seca, dura, direta, enxuta e impiedosa ...
Abraços.
Antonio A. Veloso.

domingo, 18 de março de 2012

Livro - Por favor, cuide da Mamãe

Brasilia, 18 de março de 2012.



Acaba de ser publicado no Brasil livro de autora sul-coreana que é uma boa novidade:  “Por favor, cuide da Mamãe”, de Kyung-Sook Shin, Editora Intrínseca, 2008/2012, 236 páginas.  Autora  de vários romances, recebeu diversos prêmios e vive hoje entre Seul e Nova York, onde é professora na Colúmbia University. “Por favor, cuide de Mamãe”, primeiro livro de Shin publicado no Brasil, alcançou sucesso mundial, tendo sido publicado em 23 países: somente na Coréia do Sul, vendeu mais de 1,5 milhão de exemplares.  A narrativa é delicada, terna, encantadora. A personagem central, a Mamãe Park So-nyo, de 69 anos (ou são 71 anos?), é moradora de uma aldeia pobre no interior da Coréia do Sul: tem quatro filhos já crescidos e o marido, com quem está casada há mais de cinqüenta anos.  A família está reunida em Seul, na casa do irmão mais velho, Hyong-chol, trocando idéias a respeito do desaparecimento da Mamãe,  há cerca de uma semana. O marido, como sempre fazia, caminhava à frente da mulher, na certeza de que ela o seguia, embora recentemente ela tenha reclamado para que ele andasse mais devagar.  Park So-nyo havia sofrido um derrame há alguns anos, o que passou praticamente despercebido pela família, mas que a deixou desorientada, confusa, vulnerável.  Levava uma vida de dificuldades e sacrifícios, trabalhando duramente.  Na visita aos filhos em Seul, perdeu-se do marido e ficou sozinha, à entrada do metrô, não conseguindo voltar a manter contato com qualquer um deles.  Os filhos e o pai se desdobraram numa busca incessante, dia e noite, ponto a ponto.  Enquanto isso, pela visão de três deles são narrados e revelados aspectos pouco conhecidos da vida atribulada e sacrificada da Mamãe, gerando relexões, profundas emoções, lembranças do passado e até mesmo remorsos. O relato é delicado e envolvente, mostrando uma mulher que poucos conheciam de verdade, batalhadora e repleta de emoções.  Para mim, foi particularmente surpreendente o intenso clima religioso  descrito no epílogo, com vivas cores cristãs, durante a viagem de Chi-on, a filha escritora,  à Itália,  acompanhando o namorado Yu-bin,  na bela descrição da visita à Basílica de São Pedro,  diante da visão emocionante da Pietá, a mãe de Jesus: “Tão logo vê a graciosa imagem da Mãe de Jesus amparando o corpo do filho que acabara de exalar o último suspiro, você se sente paralisada. Será o mármore? Parece que o filho morto ainda conserva algum calor no corpo.  Os olhos da Mãe de Jesus estão cheios de dor, enquanto sua cabeça se inclina na direção do corpo do filho caído no colo... “  E aí se dá o clímax:   “Mas agora que vê a estátua do outro lado do vidro, sobre um pedestal, envolvendo com seus braços frágeis toda a dor da humanidade desde o Gênesis, você não consegue dizer nada...  E só então as palavras que você não conseguiu dizer diante da estátua escapam de seus lábios.  Por favor, por favor, cuide da Mamãe”.   Sobre o livro, o escritor Abraham Verghese, autor de Cutting for Stone, afirmou:  “Um romance maravilhoso, que permaneceu em minha mente muito tempo depois de eu ter terminado de ler suas últimas e perturbadoras páginas”.
Abraços.

Antonio A. Veloso.

sábado, 10 de março de 2012

Livro - A ausência que seremos


 

Sou grato ao Padre Carlos Sanchez, da Igreja de São Pio, do Sudoeste, aqui de Brasília, pela gentileza com que me brindou recentemente, propiciando-me acesso ao que ele chamou “uma pequena amostra da literatura colombiana contemporânea”:  trata-se do texto de memórias autobiográficas intitulado “A ausência que seremos”, de Hector Abad, Cia. das Letras, 2006/2011, 317 páginas. È um texto impressionante, forte e duro, corajoso, revelador de toda a imensidão de um amor de filho em relação ao pai, médico sanitarista; reconstrói, ao mesmo tempo, a luta insana contra as injustiças sociais, num clima de intensa turbulência e de violência na Colômbia. O depoimento é vigoroso, denso e rico, evoluindo de uma imensa ternura familiar para acontecimentos dramáticos de fortes conflitos sociais e políticos, cruéis e devastadores.  O autor vai desde o início de sua infância e descreve com força a belíssima convivência com o pai, no ambiente de uma família curiosa: são dez mulheres (Tatá, de cem anos, quase cega, que fora babá da avó;  duas empregadas, Emma e Teresa;  as cinco irmãs, Maryluz, Clara, Eva, Marta, Sol;  a mãe Cecília e a freira Josefa, encarregada de cuidar do Abad e da Sol); um menino, Hector Abad, e o pai, Hector Abad Gómez.  Desde cedo, o menino devotava ao pai um amor acima de todas as coisas:”amava-o mais que a Deus.  Um dia teve que escolher entre Deus e o pai”.  A freira Josefa sentenciou que o pai não ia à missa e, porisso, iria para o inferno. A criança logo retrucou: “não quero mais ir para o céu. Não gosto do céu sem meu pai. Prefro ir com ele para o inferno.”  O pai, médico, professor e lider na defesa dos direitos humanos, era na verdade um cidadão especial,  amoroso, amigo e afetuoso:  sempre que chegava em casa, “me abraçava, me beijava, dizia um monte de frases carinhosas e, para terminar, soltava uma sonora gargalhada.”  Esse tratamento do pai destoava do padrão da sociedade de Antioquia (era tido como “cumprimento de mariquinha e de menino mimado”), pois a tradição local ensinava que o cumprimento entre os homens, pai e filho, deveria ser “distante, seco e sem demonstrações de afeto”.  Sobre o pai, era dito ainda que: “Conforme o dia, meu pai se declarava agnóstico, ou crente nos ensinamentos de Jesus, ou ateu de terra firme (pois nos aviões se convertia momentaneamente, fazendo o sinal da cruz na hora da decolagem)”.  Em outras palavras, o pai se declarava”cristão em religião,marxista em economia e liberal em política”.  A narrativa ganha força na reconstrução da trajetória do sanitarista Hector Abad Gómez, devotado na defesa dos direitos humanos, a despeito de todos os riscos no ambiente de guerras da Colômbia.  O título do livro decorre dos versos iniciais do soneto de autoria de Jorge Luis Borges (“Já somos a ausência    que seremos, o pó elementar que nos ignora ...”) e que o autor leu pela primeira vez ao encontrá-lo num papel manchado de sangue ainda fresco, no bolso do pai vitimado numa calçada, instantes depois de ser fulminado por matadores de aluguel.  O autor “mergulhou fundo na alma do seu povo e compôs um livro sensível sem sentimentalismo, cru sem truculência, carregado de dor e surpreendente humor ... “  A perda dramática do pai, em 25 de agosto de 1987,  foi guardada com zelo e maturidade durante cerca de vinte anos, período em que se manteve em maturação e decantação, de modo que só em 2006 foi objeto de publicação em livro.  Valeu a pena !  Segundo a avaliação de Pierre Assouline, “A ausência que seremos tem todos os ingredientes para nos devastar de tristeza. Diante de nossos olhos, o romance se desenrola com carinho, afeto e ternura”.


Antonio A. Veloso.

sábado, 3 de março de 2012

Livros - A invenção de Hugo Cabret

Brasilia, 03 de março de 2012.

 
No clima de divulgação das premiações do Oscar de cinema (o filme, na direção de Martin Scorcese, ganhou cinco prêmios), acabei de ler, com genuíno encanto, o curioso”A invenção de Hugo Cabret”, texto e ilustrações de Brian Selznick, Edições SM, 2007/2012, 533 páginas. Trata-se de livro juvenil, próprio para jovens e adolescentes, que dá para ler de um só fôlego.  A história é quase ingênua ( e criativa ), revelando um mundo de mistérios, incertezas, perigos e suspense.  O ambiente físico é a central de trem  de Paris, dos anos 1930, onde Hugo Cabret, menino órfão de 12 anos, vive escondido e circulando por passagens secretas e  estreitos caminhos.  O cronometrista da estação era tio de Hugo Cabret, bebia muito e num dado momento desapareceu, deixando o garoto, seu aprendiz, incumbido de cuidar diariamente de todos os relógios da estação.  Hugo Cabret era muito habilidoso e sabia cuidar de todas as engrenagens:  acertava as horas, escutava os compassos, observava os enormes ponteiros e ficava responsável pelo bom funcionamento das máquinas.  Hugo Cabret guarda um importante segredo e procura se manter escondido, invisível de todos.  A sua aventura toma forma e enfrenta embaraços na medida em que se envolve com o dono da loja de brinquedos da estação e com a sua afilhada, Isabelle.  O atraente relato das coisas nos leva à origem do cinema, à convivência com o homem mecânico -  a figura central do autômato, salvo de incêndio no museu - ,  aos mistérios do caderno de Hugo, da chave de Isabelle e de outros enigmas.  Com rara beleza, a história é narrada com a mistura de texto e sugestivas gravuras,  empreendendo a experiência da agradável leitura.