quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Brasilia,  11 de agosto de 2015.
Caros amigos Rogério e Waldemir,

Òtimo romance:   surpreendente.  Gostei muito. Abraços,
Antonio A. Veloso.

TEXTO  -“Stoner”,  de John Williams,  Editora Rádio Londres,  1965-2003-2015,   posfácio de  Peter Cameron,  306 páginas.

Fiquei encantado com o texto.  Leitura reveladora,  elegante e de estilo:   “uma descoberta maravilhosa para todos os amantes da literatura”,  segundo o escritor inglês Ian Mc Ewan.   O autor,  John Edward Williams,  americano,  nascido em 1922,  em Clarksville,  povoado no interior do Texas.  Serviu na aviação militar americana durante a Segunda Guerra Mundial.  Recebeu o doutorado na Universidade de Missouri,  em 1954.  Foi professor  assistente de Literatura Inglesa até sua aposentadoria,  em 1985,  tendo falecido em 1994. È autor de mais três romances.  O texto de Stoner tem posfácio primoroso de Peter  Cameron, que já leu o livro por três vezes:  “O que há em Stoner para justificar esse grande apelo e esse enorme sucesso?  È um livro pequeno,  de escopo e ambição modestos,  mas enfrenta  e  explora as questões mais essenciais e desconcertantes em que  conseguimos pensar:  por que estamos vivos? O que  confere significado e valor a uma vida?  O que significa amar?” Para mim,  o texto é surpreendente,  a despeito de,  logo no seu início,  desvendar-se,  revelando de imediato toda a vida de William Stoner,  “uma vida que parece bastante triste e monótona”. De forma desconcertante e quase milagrosamente,  o autor transforma  essa existência singela do professor William Stoner em uma “história apaixonante,  profunda e pungente.” A rigor,  William Stoner, filho de simples camponeses,  vivendo  numa faixa de cinqüenta quilômetros de Booneville, pequeno povoado  no Missouri, tem uma vida aparentemente sem atrativos:  mantém o mesmo emprego durante toda a vida;  deixa-se ficar num casamento infeliz com Edith por cerca de quarenta  anos;  quase não aproveita a convivência  com a filha amada Grace,  deixando-a sem maior amparo na opção  de refugiar-se na bebida;  é um quase estranho para os seus pais e apenas teve dois amigos, um dos quais morreu cedo,  ainda jovem, na guerra.  A sua experiência amorosa foi meteórica e pouco desfrutada com Katherine Driscoll,  uma professora mais jovem.  Numa linguagem de refinado estilo,   e vencendo todos os obstáculos,  o autor oferece um texto cativante,  “ de clareza cristalina”,  “alta sensibillidade”,  “pacata  elegância”.  O romance, lançado nos Estados Unidos em 1965,  e depois quase esquecido,  foi republicado em 2003,  com renovado sucesso,  alcançando a lista dos mais vendidos.    É como diz Tom Hanks:   “È uma história simples sobre  um cara que vai para a faculdade e se torna professor. No entanto,  é uma das coisas mais fascinantes que um leitor pode encontrar.”
Brasilia, 13 de agosto de 2015.

Rogério e Waldemir,
Grato pela indicação,  Rogério:  o conto é criativo e singular.  Curioso.  Abraços.
Antonio A. Veloso.



Texto:   “Sono”, de Haruki Murakami,  com ilustrações de Kat Menschik,  Editora Alfaguara,  1990-2015, 109 páginas.
O autor, Haruki Murakami,  um dos  mais renomados da atual geração de escritores japoneses,  nasceu em Kyoto, no Japão,  em janeiro de 1949.  Autor de muitos títulos relevantes, entre os quais a trilogia 1Q84.   A edição brasileira do conto “Sono” recebeu tratamento  especial da Editora Alfaguara,  com tradução do japonês de Lica Hashimoto e ilustrações  de Kat Menschik,  uma das fundadoras da revista de quadrinhos A.O.C., na metade dos anos 1990.   O texto, inédito no Brasil, é criativo e inusitado,  revelando um “mundo duplo de sombras e silêncio,  um mundo onde nada é o que parece.”  A protagonista da história vê-se,  de repente, às voltas com a falta absoluta de sono:   não é uma insônia,  mas algo concreto  -  um sonho real,  um transe -  em que  identifica a seu lado uma sombra negra e indistinta:   a sombra de um enorme velho magro,  vestido de agasalho negro,  com um regador despejando água abundante a seus pés.  “É o décimo sétimo dia em que não consigo dormir”.   Ela era uma mulher do lar, de vida normal, casada com um dentista e tendo um filho menor.  Ela lembra de  um  episódio de insônia lá atrás, mas que um dia teve fim de repente,  “sem nenhum prenúncio nem motivo aparente.  Ela dormiu profundamente durante vinte e sete horas  seguidas.”  Quando acordou, era a mesma de sempre,  não sabendo dizer porque  tinha ficado com insônia nem como tinha se curado de uma hora para outra.   Agora,  era tudo muito diferente:  apenas e simplesmente  não conseguia dormir.  Ela não tinha sono,  mantinha-se com a consciência lúcida e em pleno estado de vigília. “Meu marido e meu filho nem sequer desconfiam  que estou há dezessete dias sem dormir.  Eu também não lhes disse nada.  Caso eu resolvesse  contar,  sei que eles me mandariam procurar  um médico...  Meu dia a dia continua o mesmo de sempre:  muito tranqüilo e organizado.”  Aos poucos,   ela vai introduzindo hábitos em sua rotina sem sono:   a releitura do livro Anna Karenina, de Tolstói, durante as madrugadas,  até o amanhecer;  a retomada do hábito da bebida (conhaque Rèmy Martin);  a ida ao Clube,  para nadar pela manhã durante uma hora;   os passeios solitários de carro pela cidade;  a recuperação do hábito de comer chocolate durante as leituras;   eram mantidas as obrigações habituais (fazer compras, preparar o café da manhã,  o almoço e o jantar).   Ninguém percebia que ela mudou e que não dormia.  E tudo transcorria como s nada tivesse mudado.

sábado, 26 de julho de 2014

Livro "Meus desacontecimentos"



Brasilia, 26 de julho de 2014.

Amigos Waldemir e Rogério.
Texto delicioso, de escritora gaúcha de Ijuí.  Abraços.
Antonio A. Veloso.

TEXTO  -  “Meus  desacontecimentos: a história da minha vida com as palavras”, de Eliane Brum,  Editora Leya, 2014,  143 páginas.

O texto é delicado,  envolvido  com emoções e lirismo.   Traz um subtítulo expressivo: a história da minha vida com as palavras.   A autora,  gaúcha de Ijuí, 48 anos (nasceu em 1966), é escritora, jornalista e documentarista, repórter premiada muitas vezes, no Brasil  e no exterior.  Trabalhou durante onze anos no jornal Zero Hora, de Porto Alegre,  e cerca de dez anos na revista Època,  em São Paulo.   Em seu relato da primeira infância (“Meus desacontecimentos”),  a escritora vai fundo nas indagações:  “De quantos nascimentos e mortes se constitui uma vida? De quantos partos uma pessoa precisa para nascer? Com quantas palavras se faz um corpo?”   No seu caso particular,  Eliane,  apaixonada pelas palavras, faz uma descrição em que o ponto de partida são “os recortes de memória mais distantes de uma criança perseguida pelo trauma da morte da irmã recém-nascida”.   Faz um relato apaixonado do rumo que tomou a sua vida  -  uma história”   profundamente feminina” ,  movida pela poesia e o lirismo.  Mostra todo o seu envolvimento com a família:  a figura marcante do pai, idealista e sonhador;   a presença atormentada da mãe;  as tias  (que viravam flores para não murchar),  os avós,  o mundo em sua volta. Garota curiosa, assinala:  “Eu era rodeada por mulheres bondosas demais,  e tristes, muito tristes.  No mundo em que nasci, ser mulher era suportar a vida. O fardo, a cruz, dia após dia.  Essas eram as santas,  as putas não me eram apresentadas.  Eu não queria  ser uma santa, muito menos uma Cristina.  Minha tia Cristina levava a sério demais o fato de seu nome ser o feminino de Cristo”.  Fala amorosamente da tia Ivone, “que cuidava do jardim como quem procura colocar ordem em sua vida triste e trágica.”  Fala dramáticamente de  ter de dizer aos pais, de viva voz, que estava esperando um filho aos quinze anos.  Descreve com orgulho a figura do pai,  rotulado de comunista naqueles anos de exceção (“Meu pai até então era para mim um herói  invencível”).   Jornalista de vocação, interessada nas causas sociais,  registra a sua postura determinada:  “Desde pequena,  eu tenho muita raiva e quase nenhuma resignação.   A reportagem  me deu a chance  de causar incêndios sem fogo e espernear contra as injustiças do  mundo sem ir para a cadeia”. 

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Abace, Clube do Livro ("Menino de Engenho").

Assunto: Abace, Clube do Livro ("Menino de Engenho").

Brasilia,  10 de abril de 2014.
Amigos do Clube do Livro,

Terminei, agora,a leitura do texto programado para nossa próxima reunião. Para mim,  foi a primeira vez que li “Menino de Engenho”,  de José Lins do Rego,  e confesso que me surpreendi agradavelmente,  em vista do tempo decorrido (1932 para cá).

Antonio A.Veloso


 “Menino de Engenho”, de José Lins do Rego,  Editora José Olympio,  105ª.edição, 2013, 141 páginas.
 “Menino de Engenho” foi o primeiro romance de José Lins do Rego,  escrito em 1929 e publicado em 1932. Juntamente com “Doidinho”,  o segundo romance,  faz parte do ciclo de memórias do autor.  Como diz o escritor Milton Hatoum, na apresentação  da 105ª. Edição, os dois textos preparam e antecipam “o ambiente e as questões que serão aprofundadas em  “Fogo Morto” (1943),  uma obra-prima da literatura brasileira.”  O  autor nasceu na Paraíba em 190l, publicou mais de uma dezena de romances, além de crônicas, livro de memórias (“Meus Verdes Anos “ -  1956), muitos deles adaptados para o cinema e traduzidos na Alemanha, França, Inglaterra,Espanha,Estados Unidos, Itália.   Foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em 1950  e faleceu em 1957.   O livro de estréia de José Lins do Rego, “Menino de Engenho”,  é um retrato marcante da infância e da primeira adolescência do narrador, no interior da Paraíba,  no ambiente do engenho de Santa Fé,  do seu avô José Paulino, na companhia da Tia Maria, da velha ranzinza Sinhazinha.   Tudo isso ao som e sob a alegria das visitas e das histórias da velha Totonha:   “Eu ficava esperando pelo dia em que ela voltasse (...) porque ela possuía um pedaço do gênio que não envelhece.”  A cena inicial da narrativa assinala a trágica morte da mãe de Carlinhos, com apenas quatro anos de idade:  “Dormia no meu quarto, quando pela manhã me acordei com um enorme barulho na casa toda.  Eram gritos de gente correndo para todos os cantos.  O quarto de dormir de meu pai estava cheio de pessoas que eu não conhecia.  Corri para lá, e vi minha mãe estendida no chão e meu pai  caído em cima dela como um louco (...) Vi minha mãe toda banhada em sangue ...”  O  pai foi internado num hospício e o Carlinhos foi conduzido por um tio ao engenho do avô.  O  engenho Santa Rosa,  situado na zona canavieira à margem da Paraíba, era um verdadeiro mundo novo para Carlinhos:  o contato direto com a natureza,  os contatos com o pessoal da casa-grande e na antiga senzala,  as novas amizades, a precoce iniciação sexual,  a passagem do tempo marcado pelas cheias e vazantes do rio Paraíba.   Tudo muito bucólico,  telúrico  e às vezes hostil e cruel.   Até o momento em que se dá a partida para a vida do colégio,  quando o seu avô José Paulino recomenda enfáticamente:  “Não vá perder o seu tempo.   Estude, que não se arrepende”.

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Livros "Um, dois e já" - Inés Bortagaray, Editora CosacNaify

Brasilia, 3 de abril de 2014.
Waldemir e Rogério,


 Acabei de ler um livro surpreendente (“Um, dois e já”,  de Inés Bortagaray,  Editora CosacNaify,  2010-2014,  93 páginas). 

 Trata-se de uma linda e delicada novela, “um livrinho e tanto”, possuído de extrema leveza. A autora, uruguaia,nascida em Salto em 1975, produziu um livro de contos em 2001 e é também roteirista de cinema. 

 A história de “Um, dois e já” é  extremamente simples e escrita em linha reta:  dentro de um carro apertado,  descreve a aventura da viagem de uma família  -  pai,  mãe e quatro filhos  - ,  na direção de um balneário localizado cerca de 800 quilômetros  da cidade de Salto.  A grande disputa entre os filhos era pela posição privilegiada na janela.  “Agora estou na janela.  Sorte a minha.  Não acontece toda hora, porque sou a irmã do meio ,e irmãs do meio nunca ficam nas janelas”.Como a viagem será longa, os pais decidiram sortear os lugares e fazer revezamento, de modo a evitar discussões e tumultos, o que seria perigoso na estrada.  A viagem é feita de pequenos episódios e “fiapos de observações”:  s a sucessão de poste, um em seguida ao outro (um, dois, três, vinte, trinta, cinqüenta postes), todos se movimentando  e a narradora quieta, observando  (“mesmo que meu pai parasse de dirigir, se ele se  negasse a acelerar, freasse de repente, esses postes e essas linhas seguiriam viagem”);  as lembranças e devaneios;  as disputas dos filhos e as intervenções dos pais;  a sensibilidade das impressões  da narradora, as suas piadas,  as suas ânsias de vômito, a procura da proteção com cheiro da colônia de sândalo;   as lembranças dos vizinhos e dos amigos (a família de Eva,  com a mãe argentina e o pai inglês).   O  pai insistia em recomendar aos filhos para aspirar, abrir os pulmões e deixar o ar da praia com iodo entrar (inspirem, inspirem). 

 È sugestiva a indicação que a filha do meio, a narradora, faz a propósito do perfil que ela  imagina para o seu futuro namorado:  “Eu quero um namorado de cabelo cacheado e que adore nadar no mar e que tenha lábios rachados por causa do sol.  Queria que ele tivesse ombros ossudos e uma clavícula transparente, quase à vista como a minha, que praticamente pudesse guardar sementes ....  E mãos grandes e misteriosas.  Se souber tocar violão, melhor ainda...  Se para me beijar ele segurar a minha cabeça com as mãos naquele lugar onde terminam a mandíbula, a bolinha da orelha e o pescoço,  que incrível.  Se gostar de missionários,  irmãos,  da palavra esporádico,  de vacas com olhar triste,cheiro de sândalo, números perfeitos,  Caninos brancos, da palavra crepúsculo, dos montes Apalaches,  dos confins, de vaga-lumes, feijoada, do outono, do vento sul, de arroz com espinafre e ovo frito, mechas de cabelo ruivo,  Tom Sawyer,  árvores idosas, cachorros dormindo, do som de pandeiro,  eu  caso”.   Mesmo sem mencionar explicitamente,  o pano de fundo está lá,  sutilmente, nas entrelinhas  -  o Uruguai da ditadura, nos anos 1980.    Enfim,  no ambiente apertado do carro,  nessa íntima e singular viagem,  fica o gosto das impressões deliciosas da filha narradora,  “nesse banco de couro bege, com esse cheiro de pijama no ar e migalhas de empanadas entre as pernas”.

A. A. Veloso



terça-feira, 1 de abril de 2014

Livro - Falar sozinhos

Brasilia, 31 de março de 2014.


Amigos.

O romance  (“Falar sozinhos”, Editora Alfaguara, 2012-2013,163 páginas)  e o autor (Andrés Neuman, nascido em 1977, em Buenos Aires),  são inteiramente novos para mim,  ele fazendo parte da nova galeria de escritores argentinos,  celebrado com o “Viajante do século”  (2011),   vencedor do Prêmio Alfaguara e do Prêmio da Crítica na Espanha.   O livro é “o resultado de um belo e trágico romance,  ao mesmo tempo prazeroso em seu empenho  ao resgatar  a memória do desejo”.   A delicada narrativa é o testemunho do que se passa em torno de três personagens -  Lito, um menino de dez anos,  sua mãe Elena  e o pai,  Mário, muito doente.  São três personagens de vozes solitárias,  cada um de per si,  com diferentes  formas de narrar, descrevendo a sua história:   Lito vive sonhando com caminhões e com a prometida viagem  para entrega de carga, no veículo Pedro, na companhia do pai;   Mário, doente, preocupado  em deixar com o filho uma memória feliz e positiva,  nessa viagem singular e decisiva para os dois,  sendo a primeira vez juntos e talvez a última.   Elena, a mãe dedicada aos dois,  atormentada com a ameaça da perda e vivendo surpreendente aventura amorosa. Através  dela  -  que se defronta com instigantes desafios morais  -  o autor revela  a sua intimidade com os livros, a literatura viva e dinâmica dos tempos atuais.  “Falar sozinhos”,  revelando-nos a nova e vibrante ficção do escritor argentino  Andrés Neuman,  mostra com grande sensibilidade  “o que acontece quando três personagens decidem falar sozinhos  em um romance”  - três personagens de vozes distintas e solitárias, mas fortemente ligados pelo amor, pela doença e a morte e pela literatura.   A narrativa tem início com Lito se surpreendendo com a declaração do pai:  você já é um  homem. E o convida para arrumar imediatamente a mochila e seguir viagem no caminhão Pedro, do tio caminhoneiro, Juanjo.  E a partir daí segue-se uma narrativa atraente,  profunda e sensível.   O pai, Mário,  é cuidadoso em gravar um depoimento com aquilo que gostaria de dizer ao filho quando tivesse mais idade.   Elena, voraz leitora de livros, registra trechos dos textos que lê e associa à sua vida, além de anotar em diário a sua vida íntima e os seus conflitos, inclusive o seu desconforto  com o envolvimento amoroso com Ezequiel, o médico de Mário.  A propósito do autor,  o escritor chileno Roberto Bolãno assim se manifestou:  “Um talento iluminado.  A literatura do século XXI pertencerá a Neuman e a alguns poucos de seus irmãos de sangue.”


quarta-feira, 26 de março de 2014

Dona Flor e seus dois maridos

Brasilia,  20 de fevereiro de 2014.

Caros Amigos,
Envio-lhes,  finalmente, a resenha do texto do Jorge Amado,  com vistas à nossa reunião do próximo dia 24/02, ás 10 horas.  O abraço do
Antonio A. Veloso

TEXTO:  “Dona Flor e seus dois maridos”,  de Jorge Amado, Editora Companhia das Letras, 1966, 469 páginas.




O autor, o baiano Jorge Amado (1912w-2001) ,  fez história no país e em várias partes do mundo, com cerca de 35 títulos famosos, muitos deles traduzidos em dezenas de idiomas e adaptados para o cinema, o teatro e a televisão. Passado nas décadas de 30 e 40,  o texto, como diz o próprio autor,  “conta a história de dona Flor e de seus dois maridos, descrita em seus detalhes e em seus mistérios, clara e obscura como a vida”. Na edição comemorativa dos 100 anos de Jorge Amado, 1912-2012,  o livro vem acompanhado de posfácio escrito pelo antropólogo Roberto DaMatta sob o sugestivo título  de “A mulher que escolheu não escolher”.  De fato, diferentemente do que ocorrre habitualmente nas narrativas  dos grandes amores,  em que a mocinha vive o sofrimento  sem medidas de ter  de optar entre as duas paixões,  dona Flor administra as escolhas e vai ficando com os dois maridos  -  o tresloucado Vadinho,  boêmio, jogador, pobre, beberrão,  e  o farmaceutico Teodoro Madureira,  certinho, ajustado, metódico.   Vencendo as tradições, os preconceitos, as pressões, dona Flor vive plenamente as duas situações, tão distintas e conflitantes:  com Vadinho,  o primeiro marido, a vida exuberante,  a vadiação do sexo,  a insegurança, as noites passadas em claro, atormentadas, mal dormidas,  o ciúme ;   com Teodoro,  a vida pacífica e bem definida, a serenidade, a tranqüilidade doméstica,  o ambiente metódico, o sexo com dia e hora marcada. 
A linguagem do romance é exuberante, repleta de casos e relatos extravagantes, com muito humor e ironia;  o clima é todo ele de uma Bahia mágica, sensual, inebriante,  musical, rica de aromas e quitutes típicos, aguçando os sentidos.  Personagens antológicos,  fictícios ou reais,  emoldurados por muito misticismo,macumba,  candomblé.  Tudo povoado de personagens marcantes e saborosos, prostitutas festejadas,  muito cinismo, muita malandragem, fuxico e carnaval:   Vadinho morre em pleno domingo de carnaval, cercado de amigos e vestido de mulher.  O texto é impiedoso com a hipocrisia e com alguns tipos de pessoas:  “Aquilo não é uma mulher é uma Quarta-feira de Cinzas, termina com a alegria de qualquer um”.
O dilema central do livro  -  “uma viúva apaixonada por dois homens que paradoxalmente são seus legítimos maridos”  é resolvido cinicamente pelo primeiro marido, Vadinho,  que  assim define as coisas: “Eu sou o marido da pobre dona Flor, aquele que vai acordar tua ânsia e morder teu desejo,  escondidos no fundo do teu ser,de teu recato.  Ele é o marido da senhora dona Flor, cuida de tua virtude, de tua honra, de teu respeito humano. Ele é tua face matinal, eu sou tua noite, o amante para o qual não tens nem jeito nem coragem.   Somos teus dois maridos, tuas  duas faces,teu sim,  teu não.  Para ser feliz, precisas de nós dois.  Quando era eu só, tinhas meu amor e te faltava tudo, como sofrias ! Quando foi só ele, tinhas de um tudo, nada te faltava, sofrias ainda mais. Agora,  sim , és dona Flor inteira como deves ser. “