Brasilia, 31 de agosto de 2012.
O texto de “A queda” – As memórias de um pai em 424 passos,
de Diogo Mainard, (Editora Record, 2012, 150 páginas), é emocionante e tem
início com uma frase contundente, sem retoques: “Tito tem um paralisia
cerebral”. O autor, nascido em São Paulo em 1962, foi colunista da
revista semanal “Veja”, publicou quatro romances e reside em Veneza, onde
nasceu o filho primogênito Tito, em 30 de setembro de 2000, no Hospital de
Veneza, no Campo Santi Giovanni e Paolo, conhecido por seus erros
médicos. O Hospital de Veneza errou no parto de Tito, o que lhe acarretou
paralisia cerebral. Os erros cometidos pela obstetra, descritos com
minúcias, foram amplamente documentados no processo movido contra o Hospital
. A doutora responsável pelo parto resolveu acerelá-lo de maneira
desastrada, rompendo o saco amniótico no útero de Anna, a esposa de Diogo
Mainard: era um sábado e “ela queria encerrar o quanto antes seu
turno de trabalho.” A iniciativa inadequada da obstetra, definida pelos
peritos como “totalmente imprópria, inoportuna e perigosa”, gerou o esmagamento
do cordão umbilical de Tito e ele sofreu uma asfixia e esta lhe causou um dano
cerebral, que o impede de falar, andar e pegar objetos com as mãos. A
cesariana emergencial que se seguiu veio também com atraso: Tito nasceu
quarenta e cinco minutos depois da primeira queda de seus batimentos cardíacos,
quando teria que ocorrer em menos de vinte minutos. “Tito nasceu
verde”. Diogo viu-o pela primeira vez em um dos claustros do hospital de
Veneza, com o “nome escrito em um esparadrapo colado na tampa da incubadora:
“Mingardi”. Ou seja: até no nome o hospital de Veneza errou. O
relato de Mainard, passo a passo desde o nascimento de Tito, é comovente e
lúcido, percorrendo a emocionante trajetória até alcançar os 424 passos de
Tito, sem ajuda ou queda: “Eu aceitei a paralisia cerebral de Tito. Aceitei-a
com naturalidade. Aceitei-a com deslumbramento. Aceitei-a com entusiasmo.
Aceitei-a com amor.” O autor, vibrante e abrangente, envolve a sua
pungente história familiar - Diogo, Anna, Tito (hoje com 12 anos) e
Nico (7 anos) - com a história mais ampla da literatura, da
arte, do cinema, das idéias. Nesse percurso denso
e substancial, seleciona episódios marcantes da Segunda Guerra Mundial e de
suas atrocidades, em particular no tocante às brutais medidas para legitimar o
extermínio em massa dos recém-nascidos inválidos e daqueles estranhamente
designados por uma “vida sem valor” e uma “vida inútil de ser vivida.”
Abraços,
Antonio A. Veloso.