quinta-feira, 10 de abril de 2014

Abace, Clube do Livro ("Menino de Engenho").

Assunto: Abace, Clube do Livro ("Menino de Engenho").

Brasilia,  10 de abril de 2014.
Amigos do Clube do Livro,

Terminei, agora,a leitura do texto programado para nossa próxima reunião. Para mim,  foi a primeira vez que li “Menino de Engenho”,  de José Lins do Rego,  e confesso que me surpreendi agradavelmente,  em vista do tempo decorrido (1932 para cá).

Antonio A.Veloso


 “Menino de Engenho”, de José Lins do Rego,  Editora José Olympio,  105ª.edição, 2013, 141 páginas.
 “Menino de Engenho” foi o primeiro romance de José Lins do Rego,  escrito em 1929 e publicado em 1932. Juntamente com “Doidinho”,  o segundo romance,  faz parte do ciclo de memórias do autor.  Como diz o escritor Milton Hatoum, na apresentação  da 105ª. Edição, os dois textos preparam e antecipam “o ambiente e as questões que serão aprofundadas em  “Fogo Morto” (1943),  uma obra-prima da literatura brasileira.”  O  autor nasceu na Paraíba em 190l, publicou mais de uma dezena de romances, além de crônicas, livro de memórias (“Meus Verdes Anos “ -  1956), muitos deles adaptados para o cinema e traduzidos na Alemanha, França, Inglaterra,Espanha,Estados Unidos, Itália.   Foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em 1950  e faleceu em 1957.   O livro de estréia de José Lins do Rego, “Menino de Engenho”,  é um retrato marcante da infância e da primeira adolescência do narrador, no interior da Paraíba,  no ambiente do engenho de Santa Fé,  do seu avô José Paulino, na companhia da Tia Maria, da velha ranzinza Sinhazinha.   Tudo isso ao som e sob a alegria das visitas e das histórias da velha Totonha:   “Eu ficava esperando pelo dia em que ela voltasse (...) porque ela possuía um pedaço do gênio que não envelhece.”  A cena inicial da narrativa assinala a trágica morte da mãe de Carlinhos, com apenas quatro anos de idade:  “Dormia no meu quarto, quando pela manhã me acordei com um enorme barulho na casa toda.  Eram gritos de gente correndo para todos os cantos.  O quarto de dormir de meu pai estava cheio de pessoas que eu não conhecia.  Corri para lá, e vi minha mãe estendida no chão e meu pai  caído em cima dela como um louco (...) Vi minha mãe toda banhada em sangue ...”  O  pai foi internado num hospício e o Carlinhos foi conduzido por um tio ao engenho do avô.  O  engenho Santa Rosa,  situado na zona canavieira à margem da Paraíba, era um verdadeiro mundo novo para Carlinhos:  o contato direto com a natureza,  os contatos com o pessoal da casa-grande e na antiga senzala,  as novas amizades, a precoce iniciação sexual,  a passagem do tempo marcado pelas cheias e vazantes do rio Paraíba.   Tudo muito bucólico,  telúrico  e às vezes hostil e cruel.   Até o momento em que se dá a partida para a vida do colégio,  quando o seu avô José Paulino recomenda enfáticamente:  “Não vá perder o seu tempo.   Estude, que não se arrepende”.

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Livros "Um, dois e já" - Inés Bortagaray, Editora CosacNaify

Brasilia, 3 de abril de 2014.
Waldemir e Rogério,


 Acabei de ler um livro surpreendente (“Um, dois e já”,  de Inés Bortagaray,  Editora CosacNaify,  2010-2014,  93 páginas). 

 Trata-se de uma linda e delicada novela, “um livrinho e tanto”, possuído de extrema leveza. A autora, uruguaia,nascida em Salto em 1975, produziu um livro de contos em 2001 e é também roteirista de cinema. 

 A história de “Um, dois e já” é  extremamente simples e escrita em linha reta:  dentro de um carro apertado,  descreve a aventura da viagem de uma família  -  pai,  mãe e quatro filhos  - ,  na direção de um balneário localizado cerca de 800 quilômetros  da cidade de Salto.  A grande disputa entre os filhos era pela posição privilegiada na janela.  “Agora estou na janela.  Sorte a minha.  Não acontece toda hora, porque sou a irmã do meio ,e irmãs do meio nunca ficam nas janelas”.Como a viagem será longa, os pais decidiram sortear os lugares e fazer revezamento, de modo a evitar discussões e tumultos, o que seria perigoso na estrada.  A viagem é feita de pequenos episódios e “fiapos de observações”:  s a sucessão de poste, um em seguida ao outro (um, dois, três, vinte, trinta, cinqüenta postes), todos se movimentando  e a narradora quieta, observando  (“mesmo que meu pai parasse de dirigir, se ele se  negasse a acelerar, freasse de repente, esses postes e essas linhas seguiriam viagem”);  as lembranças e devaneios;  as disputas dos filhos e as intervenções dos pais;  a sensibilidade das impressões  da narradora, as suas piadas,  as suas ânsias de vômito, a procura da proteção com cheiro da colônia de sândalo;   as lembranças dos vizinhos e dos amigos (a família de Eva,  com a mãe argentina e o pai inglês).   O  pai insistia em recomendar aos filhos para aspirar, abrir os pulmões e deixar o ar da praia com iodo entrar (inspirem, inspirem). 

 È sugestiva a indicação que a filha do meio, a narradora, faz a propósito do perfil que ela  imagina para o seu futuro namorado:  “Eu quero um namorado de cabelo cacheado e que adore nadar no mar e que tenha lábios rachados por causa do sol.  Queria que ele tivesse ombros ossudos e uma clavícula transparente, quase à vista como a minha, que praticamente pudesse guardar sementes ....  E mãos grandes e misteriosas.  Se souber tocar violão, melhor ainda...  Se para me beijar ele segurar a minha cabeça com as mãos naquele lugar onde terminam a mandíbula, a bolinha da orelha e o pescoço,  que incrível.  Se gostar de missionários,  irmãos,  da palavra esporádico,  de vacas com olhar triste,cheiro de sândalo, números perfeitos,  Caninos brancos, da palavra crepúsculo, dos montes Apalaches,  dos confins, de vaga-lumes, feijoada, do outono, do vento sul, de arroz com espinafre e ovo frito, mechas de cabelo ruivo,  Tom Sawyer,  árvores idosas, cachorros dormindo, do som de pandeiro,  eu  caso”.   Mesmo sem mencionar explicitamente,  o pano de fundo está lá,  sutilmente, nas entrelinhas  -  o Uruguai da ditadura, nos anos 1980.    Enfim,  no ambiente apertado do carro,  nessa íntima e singular viagem,  fica o gosto das impressões deliciosas da filha narradora,  “nesse banco de couro bege, com esse cheiro de pijama no ar e migalhas de empanadas entre as pernas”.

A. A. Veloso



terça-feira, 1 de abril de 2014

Livro - Falar sozinhos

Brasilia, 31 de março de 2014.


Amigos.

O romance  (“Falar sozinhos”, Editora Alfaguara, 2012-2013,163 páginas)  e o autor (Andrés Neuman, nascido em 1977, em Buenos Aires),  são inteiramente novos para mim,  ele fazendo parte da nova galeria de escritores argentinos,  celebrado com o “Viajante do século”  (2011),   vencedor do Prêmio Alfaguara e do Prêmio da Crítica na Espanha.   O livro é “o resultado de um belo e trágico romance,  ao mesmo tempo prazeroso em seu empenho  ao resgatar  a memória do desejo”.   A delicada narrativa é o testemunho do que se passa em torno de três personagens -  Lito, um menino de dez anos,  sua mãe Elena  e o pai,  Mário, muito doente.  São três personagens de vozes solitárias,  cada um de per si,  com diferentes  formas de narrar, descrevendo a sua história:   Lito vive sonhando com caminhões e com a prometida viagem  para entrega de carga, no veículo Pedro, na companhia do pai;   Mário, doente, preocupado  em deixar com o filho uma memória feliz e positiva,  nessa viagem singular e decisiva para os dois,  sendo a primeira vez juntos e talvez a última.   Elena, a mãe dedicada aos dois,  atormentada com a ameaça da perda e vivendo surpreendente aventura amorosa. Através  dela  -  que se defronta com instigantes desafios morais  -  o autor revela  a sua intimidade com os livros, a literatura viva e dinâmica dos tempos atuais.  “Falar sozinhos”,  revelando-nos a nova e vibrante ficção do escritor argentino  Andrés Neuman,  mostra com grande sensibilidade  “o que acontece quando três personagens decidem falar sozinhos  em um romance”  - três personagens de vozes distintas e solitárias, mas fortemente ligados pelo amor, pela doença e a morte e pela literatura.   A narrativa tem início com Lito se surpreendendo com a declaração do pai:  você já é um  homem. E o convida para arrumar imediatamente a mochila e seguir viagem no caminhão Pedro, do tio caminhoneiro, Juanjo.  E a partir daí segue-se uma narrativa atraente,  profunda e sensível.   O pai, Mário,  é cuidadoso em gravar um depoimento com aquilo que gostaria de dizer ao filho quando tivesse mais idade.   Elena, voraz leitora de livros, registra trechos dos textos que lê e associa à sua vida, além de anotar em diário a sua vida íntima e os seus conflitos, inclusive o seu desconforto  com o envolvimento amoroso com Ezequiel, o médico de Mário.  A propósito do autor,  o escritor chileno Roberto Bolãno assim se manifestou:  “Um talento iluminado.  A literatura do século XXI pertencerá a Neuman e a alguns poucos de seus irmãos de sangue.”