Brasilia, 26 de junho de 20ll.
Favor mandar repassar para os demais participantes do Clube do Livro a anexa resenha, com vistas à reunião de 04/07 próximo.Abraços do
Antonio A. Veloso
Texto: “Ressurreição”, de Liev Tolstoi (Editora CosacNaify, l964/20l0, 431 páginas).
- Trata-se de lançamento recente no Brasil, em edição primorosa, com tradução direta do russo, do escritor premiado e tradutor especializado Rubens Figueiredo. Compõe a trilogia de obras-primas de Tolstoi: “Guerra e Paz”(l869), Anna Kariénina (1877) e “Ressurreição”(l879);
- “Ressurreição” é um capítulo importante na trilogia, em que o aristocrático autor de clássicos da literatura universal “se converte a uma forma primitiva de cristianismo (sendo excomungado pela Igreja Ortodoxa russa) e, aos 82 anos, foge de sua propriedade rural, em Iasnia Poliana, para morar à beira de uma linha de trem;’
- na expressão de Mikhail Bakhtin, “um exemplo mais perfeito e mais coerente de romance sócio-ideológico”, refletindo um vivo e amplo painel da realidade russa da época (século XIX), devastador na crítica de uma sociedade desigual, injusta e conflitiva. Descreve um mundo de desigualdades e atribulações, de miséria humana, de injustiça social: julgamentos defeituosos, cadeias miseráveis,prisioneiros políticos,criminosos , estruturas deformadas de poder e força, desigualdades no campo e da sociedade aristocrática, vida na capital, pessoas condenadas aos trabalhos forçados na Sibéria;
- com risco para derivar para um incontrolável melodrama, o autor - superior e profundo - instigante em sua obra e na sua vida, desenvolve narrativa rica de agudas reflexões, engrandecendo cada personagem e cada situação. O relato é denso, profundo, embora acentuadamente moralista;
- em síntese: numa noite de Páscoa, em que se celebra a ressurreição de Jesus Cristo, o príncipe Nekhliúdor, ainda adolescente, seduz a criada Katiucha Máslova e esta, grávida, é expulsa a casa das tias do nobre, ficando desamparada e envolvendo-se na prostituição. Algum tempo depois, termina sendo acusada de envenenar um cliente. Nekhliúdov é convocado para o júri do injusto julgamento de Katiucha, do qual resulta a condenação de quatro anos de trabalhos forçados na Sibéria. Tentando ajudá-la, o príncipe passa a viver uma aguda crise de consciência, com forte sentimento de culpa, o que o leva a acompanhá-la em todos os seus passos e a percorrer, com Katiucha, o longo e penoso caminho da sua ressurreição, inclusive oferecendo-se para casar com ela, a título de reparação;
- Tolstoi “pinta um quadro repugnante da sociedade russa”, desenvolvendo um devastador ataque ao governo, à sociedade, aos tribunais, ao regime carcerário e criticando o artificialismo e a falsidade das classes dominantes;
- a incrível história dos dois personagens principais - o príncipe Nekhliúdov e a criada e prostituta Katiucha - poderia parecer inverossímel e exageradamente melodramática, não fora o fato de basear-se em acontecimentos reais, segundo relato de amigo do autor, advogado A. Kóni;
- nas suas últimas páginas, “Ressurreição” menciona o “Evangelho de São Mateus” e abre a perspectiva de vida nova para Nekhliúdov: “Como se, após longa aflição e sofrimento, ele de súbito tivesse encontrado a calma e a liberdade;” ao final de contas, o texto “enxerga, além do caos, o advento da graça”.